Cotidiano

O salário do criador

No recente encontro anual da poderosa Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (Cisac) e de seu braço audiovisual, Writers & Directors Worldwide (W&DW), realizado neste mês em Paris — e onde a Diretores Brasileiros de Cinema e do Audiovisual (DBCA) recebeu a prestigiosa outorga de membro provisório para a cobrança e distribuição de direitos no âmbito audiovisual — fiquei surpreendido com o reiterado uso do termo “roubo” nos pronunciamentos.

Sem eufemismos, realizadores e gestores de América Latina, Caribe, Europa/Leste, África, Oriente Médio e Ásia/Pacífico, representando 230 entes do ramo oriundos de 120 países, deploraram a falta de uma política, de espectro planetário, que proteja o sagrado direito do autor, inalienável e irrenunciável, conforme entendimento jurídico a respeito dessa prevalência moral e patrimonial sobre toda obra audiovisual que tenha comunicação pública.

Ainda que labéu civilizatório inscrito tanto na Declaração dos Direitos do Homem quanto na nossa Constituição, inclusive na Lei do Direito Autoral, o justo pagamento de direitos ao diretor é hoje diuturnamente fraudado e ultrajado pela barbárie da internet e seus incontáveis repiques digitais. O que resulta em amargos custos pessoais e sociais para quem assina audiovisual e para a vitalidade da cultura, cinema e televisão brasileiros.

A partir do mantra “remuneração correta e devida” é que se baliza o empenho do cinema nacional pela urgente revisão da Lei do Direito Autoral. Historicamente, ela concede aos músicos (sim, nossos inestimáveis parceiros na poesia do filme!) a primazia da cobrança do seu estro e, aos intérpretes e aos dubladores, através dos chamados direitos conexos. Os diretores (e, também, os roteiristas) por todos os méritos, reivindicamos isonomia — simples assim. Direito autoral é o salário do criador.

Quem vai ao cinema e lê no ingresso que daquele valor percentual é recolhido pelas sociedades musicais (com todo o mérito!), pergunta-se: eu vou ao cinema para assistir a um filme ou para “ver” ou ouvir música? Como ficam os direitos do diretor (e do roteirista), que nunca vê a cor do dinheiro? Essa desigualdade financeira, longe de mexer nas conquistas alheias, está com seus dias contados. Afinal, é consenso: sem diretor não tem filme, telenovela, minissérie, documentário ou animação.

Chegou a hora da harmonização dos interesses, de tal forma que a fortuna holística resultante do audiovisual seja democratizada entre todos que o inventam, porque o nosso talento não pode continuar disponibilizado, veiculado ou consumido, graciosamente. Ou seja, surrupiado.

Lembra o cineasta Guilherme de Almeida Prado, um dos diretores da DBCA, de antológica frase da imortal atriz Cacilda Becker (1921-1969): “Não me faça fazer de graça a única coisa que sei fazer cobrando.”

Sylvio Back é cineasta e presidente da Diretores Brasileiros de Cinema e do Audiovisual (DBCA)