Cotidiano

?O PIB é burro?, diz o economista Eduardo Giannetti

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TIRADENTES (MG) – Para o economista e filósofo Eduardo Giannetti, os países ocidentais escolheram a régua errada para medir seu desenvolvimento ? o Produto Interno Bruto (PIB, soma de riquezas e serviços produzidos) ? e estão pagando um preço alto por essa escolha. Em sua palestra na primeira edição do Fórum do Amanhã, no fim da noite de quinta-feira, o professor do Insper lembrou que ?os gregos e os romanos, que eram muito menos afluentes do que nós, eram muito menos obcecados por economia do que nós?. A principal implicação dessa obsessão, disse, é que, a revolução tecnológica que emergiu com a promessa de controle sobre a natureza está ?desencadeando um enorme descontrole das bases naturais da vida?. O resultado é ?uma existência quase inexplicável? da humanidade.

? Eu gostaria de ressaltar a gravidade que é o uso do PIB como medida de avanço de um país. Imaginemos uma comunidade com amplo acesso à água potável. Suponhamos que ela polui todas as suas fontes. Logo, ela tem que purificar e engarrafar essa água. Fazendo isso, o PIB dela aumenta. Ela está vivendo a pior situação possível e o PIB está subindo por causa disso. Outro exemplo: se você mora perto do local de trabalho e vai a pé, o que é uma maravilha, isso não aparece no PIB. Mas se você mora longe e passa três horas dentro de uma lata de metal, aí o PIB sobe. E se você fica neurótico por causa disso e faz terapia, o PIB também sobe! ? afirmou o economista, que lançou em junho o livro de microensaios ?Trópicos Utópicos?, inspiração para o fórum.

De acordo com Giannetti, ?essa métrica é burra?.

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? Essa métrica é burra. Ela não diz nada sobre a nossa realização, ela simplesmente fala sobre o que passa pelo sistema de preços. E os países competem brutalmente para ver quem tem o maior PIB per capita. No Japão, os jovens, por falta de tempo ou de vontade, contratam atores para visitar seus pais! O americano com a renda mediana, de US$ 28 mil, está entre os 5% mais ricos do planeta, mas, aos seus próprios olhos, ele é um looser, um fracassado. Mesmo sendo da elite do consumo mundial, ele sente mais falta de coisas materiais do que os 95% restantes da população mundial ? afirmou ele, que foi assessor de Marina Silva. ? Já se foi longe demais no caminho que prometia felicidade ganhando mais e lucrando mais. A partir de um certo ponto, ele se torna insano.

O Brasil tem a chance, segundo o economista, de trilhar um caminho alternativo. De acordo com ele, é preciso entender que se o país não se tornou um país evoluído do ponto de vista ocidental, ?não é necessariamente porque não conseguiu, mas porque não quer?.

? Precisamos ter a visão madura de que não queremos que todos sejam como nós somos, mas que queremos viver de acordo com nossa própria métrica. E não é o PIB per capita. Temos outros valores e não podemos nos envergonhar disso, pois isso é uma coisa maravilhosa ? defendeu, ressalvando, porém, que é intolerável que o Brasil não tenha sido capaz de atender as necessidades mais básicas em saúde, educação e saneamento.

Ele chamou esse processo de construção de uma identidade prospectiva. Mas Giannetti propôs um distanciamento do projeto de pensadores que ele classificou de ?miméticos?, segundo os quais o caminho para desenvolvimento do Brasil é ?imitar direitinho? o que fazem as potências ocidentais. Essa visão seria defendida pela maioria dos economistas e por intelectuais como Rui Barbosa (busca do modelo inglês), Eugênio Gudin (América Latina não precisa inventar uma nova civilização) e Fernando Henrique Cardoso (Brasil tem apenas uma ?pitada? de originalidade, mas não se compara à Índia). O modelo dos miméticos, acusou Giannetti, apequenaria o país por imaginar que um futuro de sucesso seria o Brasil se tornar um estado sulista dos EUA ou um país do Sul da Europa.

O economista prefere os pensadores que ele chamou de ?proféticos?, categoria que inclui para ele Oswald de Andrade, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro e segundo os quais ?o Brasil não é uma cópia canhestra?.

? Nós temos elementos de cultura pré-moderna, africana e indígena, que nos dão uma condição de originalidade radical em relação ao padrão ocidental ? afirmou o economista, chamando atenção para um sentido escondido na expressão ?complexo de vira-latas?: ? O que há de errado com o vira-lata? É melhor ser o poodle da madame? Essa manifestação de Nelson Rodrigues tem um quê de pureza racial. É disso que precisamos nos livrar, não do complexo do vira-lata em si.

Antes da fala de Giannetti, o sociólogo italiano Domenico De Masi havia detalhado um processo de falência da sociedade neoliberal, que, segundo ele, ruma para o próprio suicídio ao estimular a desigualdade e ao submeter seus próprios fundamentos a entidades que desviam seus fins. Segundo ele, no regime neoliberal, ?a economia superou a política, as finanças superaram a economia e as agências de rating superaram as finanças?.

? O Estado de bem-estar social é o maior inimigo do neoliberal. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), disse que o welfare (bem-estar social) morreu. Nos anos 70, acabou a luta de classes dos pobres contra os ricos, mas começou a dos ricos contra os pobres ? afirmou, completando. ? Hoje, 62 pessoas têm a mesma riqueza que 3,5 bilhões de pessoas. Mesmo que elas consumam desenfreadamente Ferraris, eles jamais consumirão como aqueles 3,5 bilhões. Esse é o suicídio da sociedade de consumo ? afirmou.