Cotidiano

O papel da Rio-2016 como marco contra o doping

É um aparente contrassenso que, na era em que a tecnologia aperfeiçoa dispositivos para medir com exatidão, à prova de erros, o desempenho de atletas, o desenvolvimento de técnicas de blindagem do esporte contra o doping, uma das mais abjetas fraudes nesse ? até onde ainda se pode afirmar ? saudável mundo das competições, não pareça ter sido aperfeiçoado na mesma dimensão.

O despropósito, no entanto, é irreal: também nos laboratórios é louvável o esforço para desenvolver métodos científicos para detectar a má-fé nas competições. O que permanece nesse campo são práticas abomináveis daqueles que, por falta de talento, recorrem a artifícios para vencer no esporte, e dos que os acobertam.

A série de denúncias do Comitê Olímpico Internacional contra atletas (especialmente russos) com resultado positivo em exames antidoping é grave não por comprovar que, na busca por recordes (logo, por bons contratos de patrocínio, pela mitificação ou qualquer outra motivação), falsos esportistas tonificam energia e disfarçam a própria mediocridade. Esse tipo de esbulho é praga antiga nos esportes. A gravidade nesses episódios é o que está por trás deles ? a existência de mecanismos poderosos que não só estimulam as fraudes, como as aperfeiçoam.

O ?New York Times? publicou reportagens assustadoras sobre a dimensão desses esquemas, que jogam sobre o cenário esportivo internacional, mais do que suspeitas, evidências de que o estímulo ao doping não é de foro pessoal. No caso da Rússia, envolveria federações, com o possível acobertamento em níveis altos do governo do país. É um esquema sistemático de estimulação artificial de atletas, segundo o jornal, o que levou o COI a ameaçar entidades russas de bani-las dos Jogos Olímpicos do Rio.

Se o doping em larga escala, ou ao menos na dimensão em que se manifesta ao anteparo das federações da Rússia, está ou não circunscrito ao país é algo que precisa ser investigado pelas autoridades olímpicas. De qualquer modo, casos anteriores de grande notoriedade tiveram, até aqui, respostas à altura nos tribunais esportivos. O ciclista americano Lance Armstrong foi banido das pistas, denunciou-se (e puniu-se) a corrupção sistêmica na Federação Internacional de Atletismo, e episódios aparentemente tópicos caíram na malha. Como deve ser.

A inflexibilidade com casos de doping é um imperativo. O COI antecipou que dezenas de atletas (e não apenas russos) provavelmente serão excluídos da Rio-2016, por terem caído no exame antidoping. Ele cita como base para as punições amostras dos Jogos de Pequim (2008) e Londres (2012), que foram novamente analisadas. Correto. A Olimpíada carioca precisa ser um marco na luta contra a fraude, um round decisivo de um embate em que o objetivo é preservar o princípio esportivo segundo o qual ? tanto quanto se tem como essencial competir ? vencer deve ser prova de competência.