Cotidiano

O país em nossas mãos

Perguntado sobre o que faria se lhe fosse dado administrar um país, Confúcio respondeu: ?Certamente, a correção da linguagem. Se a linguagem real não é correta, então, o que é dito não é o que significa; se o dito não é verdadeiro, aquilo que tem que ser feito não se faz; se não se faz, os costumes e as artes se deterioram; sem isto, a justiça não se implanta; se a justiça não se realiza, o povo ficará em desesperada confusão. Portanto, não deve ser feita nenhuma arbitrariedade. Este tema tem que ser tratado antes dos outros?.

Presidentes não se transformam no que eles, pela sua natureza e convicção, se sentem destinados a se tornarem, mas no que a sociedade faz crer que eles sejam. De fato, o Brasil ainda parece suficientemente despreparado para promover corretamente a conjugação entre a verdade e a realidade social. Temos que refletir e aproveitar esse momento de transformação. Chegou a hora da verdade.

Recentemente, cresceu no país a urgência de uma mudança, pela simples razão de ser um palco de diferenças que, afinal, não deveriam mais existir. Três décadas após a redemocratização, ainda falta ao Brasil a solução da organização autônoma da sociedade e da articulação entre Estado e o mundo da vida social. Continuamos sem uma política para o futuro e sem projetos nacionais. Reconhecer avanços no campo social não será mais suficiente enquanto desaparecem a grande política e as ideias, e passa-se a discutir somente pessoas, personalidades e partidos.

Neste momento, a combinação de inteligências dos líderes sindicais, empresários e políticos diante das reclamadas e indispensáveis reformas acabaria por transformar o país do ?faz de conta? num país real. Esperam-se, ainda, a restauração dos interesses comunitários pela coisa pública, a retomada de padrões mínimos de compostura, o ânimo pelo trabalho produtivo e reconhecido, a solidariedade entre os diversos intérpretes como preparativos para a desejada mudança.

Entre nós existem eventos ajustados a uma consciência falsa e adaptada para serem vistos como verdadeiros e reais e, até mesmo, bonitos e românticos. Na sociedade brasileira de hoje, a verdade mora menos no lugar em que as coisas são para valer e perto dos fatos que se transformam em ficção sem uma forma adequada de observação. Nós queremos, normalmente, evidências. E isso se poderá cobrar agora, sem forçar a porta. Temos apenas que enviar as nossas mensagens.

A aclaração recente dos processos contra a corrupção revela um oportuno senso de realismo. Confere ao tema uma profunda importância que determina uma conduta que poderá proporcionar mudança de cultura a curto prazo; e demonstra que vai exigir mais daqueles que cercam o governo ou que com ele trabalham ou venham a trabalhar.

A missão presidencial está começando a se transformar pela criação de uma ética objetiva, capaz até mesmo de rejeitar a antecipação de eleições e manter as regras, seja qual for o cenário, justificando o ato em uma vontade responsável, refratária ao imediatismo e comprometida com o desejo da obra bem feita.

Como não podemos deixar de ver, o Congresso não pode ser a voz de uma autoridade a que a Presidência esteja ansiosa para agradar. Terá que ser a nossa voz. Ações e prioridades da Presidência devem refletir também a existência de um processo de decisão capaz de mostrar-se eficaz. Não podemos pretender que faça tudo. Precisamos resolver aquilo que não resolvemos no passado recente.

Creio haver, no mínimo, uma possibilidade razoável de que, após o embate e a decisão, as tarefas de reconstrução venham a ser tão urgentes que muitos as considerarão um fim unificador. Os perigos implícitos na incapacidade de se conseguir uma reorganização democrática poderão ser sentidos como uma pressão análoga à do medo do desconhecido. Se esse medo for associado à inteligência, e guiado por esta, o desafio presidencial de um planejamento democrático com a participação de todos poderá ser encaminhado eficazmente.

Não basta, pois, que a Presidência se disponha a cumprir suas funções e que garanta todos os programas sociais. É fundamental que os segmentos estratégicos do país tenham a percepção do momento histórico e marquem os seus lugares no processo de mutação. Ele vai ser longo.

O fato importante é que, ao provocar o aumento do grau de realidade em cada um dos nossos setores, estaremos promovendo a oportunidade de formular ideias para grandes mudanças institucionais. Olhar a reconstrução do país de baixo para cima, a partir das próximas eleições municipais, deveria tornar-se uma solução, o novo modelo da sociedade brasileira, sustentado pela solidariedade nacional. Basta que sejam abertos os caminhos no tempo, pois estamos todos dispostos hoje a enfrentar os choques da modernidade. E é disto que precisamos todos, para sepultar o Brasil cartorial e corporativista e substituí-lo por um país aberto e contemporâneo do terceiro milênio. E essa tarefa precisa ser iniciada pelas nossas cidades, no bairro em que mora nossa cidadania. O Brasil está em nossas mãos.

Paulo Protasio é presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro