Cotidiano

O futuro dos jornais em debate

Na terça-feira passada (26) um dos auditórios do Cietep/Fiep reuniu em Curitiba 140 pessoas durante o seminário “O momento do jornal e seu futuro”. Estavam ali proprietários, executivos e jornalistas de vinte jornais do Interior do Paraná que formam a ADI, associação que organizou e patrocinou este primeiro encontro cujo objetivo estava explícito no nome do evento.

Os motivos da escolha do local foram muitos, mas o fato de a capital do Estado ser sede de um jornal que, depois de quase um século de vida, deixou de ser impresso apostando alto na sobrevivência apenas na publicação digital, é significativa.

Qual o caminho a seguir? Três conferencistas com experiência na área tecnológica foram convocados para palestras.

Um debate sobre o momento do Paraná foi realizado com a presença de Ágide Meneguette, presidente da Federação da Agricultura, e Ernani Buchmann, superintendente da Fecomércio, e o mediador Nery José Thomé, presidente da ADI. Este foi muito claro antes de começar os trabalhos ao apontar a linha que, depois de um dia de apresentações e discussões, acabou ressaltada: “ Todos os nossos jornais têm portais e não queremos perder o bonde da história com as mudanças que acontecem de forma muito rápida. Penso que o jornal impresso ainda tem uns 20 anos de vida, no mínimo”, afirmou. “O que queremos é melhorar a parte digital e a integração com o impresso”.

O presidente lembra que os jornais enfeixados sob a sigla da ADI estão em todas as regiões do Paraná, colocam nas bancas 188 mil exemplares diariamente de terça a sábado e têm a grande vantagem de publicar notícias da região a que pertencem, que é o que o leitor quer – porque as nacionais ele acompanha pela televisão. Além disso, a tradição e o costume da leitura em papel é um valor que não pode ser desprezado, daí sua categórica análise sobre o que ocorreu com decisão do jornalão tradicional de Curitiba: “Perderam a relevância”.

Recentemente uma pesquisa nacional indicou que 62% dos leitores preferem mídia impressa. Jedaias Pereira Belga, presidente da associação dos jornais do interior do Brasil, que congrega 140 jornais em 11 estados, garantiu que a circulação está aumentando e que hoje 3 milhões de pessoas leem diariamente os jornais, incluindo aí o de Cianorte, de sua propriedade: “Anos atrás eu ouvi um representante do El País dizer num seminário como este, no Rio Grande do Sul, que o impresso iria acabar. O que aconteceu?”

O jornalista Deonilson Roldo, secretário da Comunicação e Chefe de Gabinete do governador Beto Richa, é um craque no assunto. Antes de passar para o outro lado do balcão, como se diz no meio, ele chefiou a sucursal da Folha de Londrina e lida diariamente com todos os tipos de veículos da mídia. “Para se dar passos adiante, é preciso saber o que o leitor quer.

O Washigton Post foi comprado pelo Jeff Bezos, dono da Amazon, que é totalmente digital, e o que ele fez? Manteve a equipe e o impresso de um dos melhores jornais do mundo. Não adianta só querer velocidade.” O secretário lembra que a quantidade de notícias falsas na internet é enorme e que o debate atual para os jornais é transferir a credibilidade do impresso, que consolidou a marca, para o digital. “É preciso dedicação, fidelidade ao leitor”. Roldo disse que para as mudanças é preciso lembrar primeiro que decisões impensadas conduzem ao desastre e que é possível, sim, ter o jornal impresso e o da internet.

No auditório, a dona de dois jornais, um em Laranjeiras do Sul e outro em Guarapuava, estava muito interessada no assunto até que a irmã, que cuida das finanças, entregou: “Ela se recusa a ler notícia na telinha do celular. Nossos jornais impressos vão bem, obrigado”. Ágide Meneguette e Ernani Buchmann não ouviram isso, mas, de certa forma completaram o orgulho próprio das irmãs com seus veículos. O presidente da Faep, sempre direto e claro, disse que os jornais do interior são muito importantes para ajudar nas grandes questões do Paraná e do Brasil, principalmente como canais de esclarecimento ao público mais jovem. “A garotada de hoje não sabe o que é uma vaca. Acha que leite vem numa embalagem tetrapak sem acontecer nada antes”.

O representante da Fecomércio foi além. Afirmou que o Jornal Nacional, da Rede Globo, fica transmitindo direto o problema da Rocinha como se o resto do Brasil estivesse ali em volta. “Eles não sabem o que acontece no Brasil. O jornal regional sabe. Essa é a missão”.

“Viagem ao futuro: as megatendências e os drivers de mudança”. Assim foi o título da palestra de Luis Rasquilha, um português muito brasileiro que fala na velocidade da internet mais rápida. Ele é craque em comunicação, marketing, administração e gestão da inovação. Tem 20 anos de experiência, o mesmo número de livros publicados e explanou até sobre inteligência artificial – que já está aí. “O futuro não é ruim”, disparou. “Mas precisamos dar passos para não desaparecer”. Quais passos? Ele citou o próprio filho que já domina o celular antes mesmo de falar. Disse que o Brasil é o segundo país mais conectado do mundo e que, a exemplo do que acontece numa cidade da Alemanha, logo os semáforos serão no chão para pedestres que só olham pra baixo por causa do celular. O jornalismo, entretanto, só vai conseguir esta atenção se tiver qualidade e os jornais conteúdo, além de mais interação entre o veículo e seu leitor. Ele aposta na regionalização, diz que o fim do jornal tradicional, impresso, vai acontecer. Quando? Ele vai longe, talvez até 2050, mas lembra que é preciso enxergar o que está sendo sinalizado. “Quando surgiu o e-mail ninguém pensou que em pouco tempo seria um absurdo mandar cartas pelo correio”, exemplifica. Para Rasquilha, no entanto, o que aconteceu com o jornal grande de Curitiba foi arriscado demais. “Eu não faria, ainda mais com um jornal com um século de vida e com um enorme público acostumado a ler da forma tradicional”, disse. Mas recomendou aos donos de jornais que é preciso pensar no futuro que está logo aí, pois tudo está acontecendo rápido demais.

Consultor digital do grupo Itaú-Unibanco, Fred Pacheco, mestre em ciências pela Universidade Federal de São Paulo e liderança pela Ohio University, além de MBA na FGV e em Stanford, disse no início da palestra que só tecnologia não basta. Em primeiro lugar, afirmou, os jornais precisam conteúdo relevante e isso torna o “negócio” bom e com potencial. Lembrou que o público jovem não sabe distinguir notícia falsa de verdadeira – e 3 em cada 5 que entram na rede são falsas. “O jornal impresso tem credibilidade, foi comprovado em pesquisa recente. O pulo do gato é aproveitar isso para vender conteúdo”. Ele também disse que é loucura um jornal tradicional ficar apenas no digital. “Acho um absurdo. O contrário é melhor, agregando áudio, vídeo, etc”. Mostrou duas fotos. Moças juntas olhando a tela do celular e uma, do passado, com várias pessoas lendo o jornal. “É mais ou menos o mesmo hábito, mas o impresso leva mais tempo para ler e aquelas pessoas estavam acostumadas a pensar em cima do que liam. As outras, não”.

O seminário terminou com uma curta e contundente palestra de Andre Richter Caron, que tem grande experiência na implementação de ativos em grandes portais nacionais. Ele confessou um arrependimento profundo em ter trabalhado em busca do aumento de número de acessos em jornais, como aconteceu com o Paraná Online, então pertencente ao grupo Paulo Pimentel. Mostrou então a foto de um cemitério com uma enorme frase: o jornalismo morreu. Deu o recado para os presentes: que não entrassem na competitividade apenas por números, cliques, acessos, como aconteceu na imprensa brasileira. “De que adianta isso?” Pediu aos presentes para terem este tipo de preocupação. Na sua visão, é a qualidade das reportagens que vai fazer o impresso e o digital serem mais consumidos, nunca a rapidez sem checagem, com textos infantis, etc. “A rapidez matou tudo”, disse. Ao final, pediu desculpas pela abordagem, mas que achou oportuna porque jornal, impresso ou digital, não é nada sem qualidade. Deu o recado, assim como os outros. Foi aplaudido no final de um dia de grande aprendizado.