Cotidiano

'O estudante fisicamente ativo aprende melhor?, defende especialista em saúde pública

IMG_0977 (1).JPGRIO- Coordenador do maior estudo sobre sobre atividade física global durantes os chamados ciclos olímpicos, Pedro Hallal defende mudanças profundas no ensino da educação física. O mesmo Brasil do show na Olimpíada do Rio protagoniza um espetáculo fracassado quando o assunto é o ensino da educação física. Mais do que combater o epidêmico sedentarismo, a meta deveria ser aumentar o rendimento escolar, afirma Hallal, que é professor de saúde pública da Universidade de Pelotas (RS). Nesta entrevista, ele também critica a Medida Provisória anunciada pelo governo federal para reformar o ensino médio. Entre outras propostas, a MP abre uma brecha para que a educação física ? assim como artes, sociologia e filosofia ? deixe de ser disciplina obrigatória na etapa final da formação escolar. LINKS EDUCAÇAO

Como o senhor vê as mudanças propostas para o ensino médio?

São completamente equivocadas. Defendemos intensificar a educação física. E não apenas no ensino médio, mas, sobretudo, no fundamental. O mínimo deveria ser de três aulas semanais de educação física nos dois ciclos. E aulas diferentes das oferecidas hoje, capazes de levar ao engajamento dos estudantes.

Por que a educação física é tão importante?

Todo mundo pensa na saúde. São lembrados o combate ao sedentarismo, a prevenção da obesidade e de doenças metabólicas, como o diabetes, ou cardiovasculares. Mas, na verdade, isso tudo é secundário. E me incomoda muito. O ganho cognitivo é muito mais importante.

A educação física aumenta o rendimento escolar?

Definitivamente sim. Numerosos estudos já mostraram isso. Há evidências em exames de ressonância magnética, testes de QI e desempenho escolar. A atividade física estimula a atividade neuronal, melhora o desempenho dos alunos em disciplinas como matemática. De fato, em todas as disciplinas. O estudante fisicamente ativo aprende melhor.

Mas existe um mito enraizado de que os melhores alunos não são os que fazem esporte. Por que ele persiste?

Por ignorância. Realmente há o mito de que os alunos mais inteligentes e capazes são aqueles de perfil ?intelectual?, que não são ativos. Isso não é verdade. As pesquisas mostram exatamente o contrário. Ser inativo é estar aquém do possível.

Mas não é só esporte, certo?

Sim. Esse é outro problema. As pessoas confundem esporte com atividade física. É uma das graves deficiências do ensino da educação física no Brasil. Você não precisa ser um desportista. Mas precisa ser fisicamente ativo.

Como a educação física estimula a cognição e o desempenho escolar?

A atividade física estimula fatores envolvidos na plasticidade e no desenvolvimento do cérebro. O exercício aumenta a formação de neurônios e a concentração de substâncias chamadas fatores neurotróficos, que têm papel crucial na performance intelectual. Além disso, melhora o fluxo de sangue e a oxigenação do cérebro. Por isso, o exercício é benéfico para a atenção, o processamento de informações e a memória.

Isso é fundamental na adolescência, não?

Sim. A atividade física pode melhorar a cognição na adolescência, quando o cérebro tem profunda plasticidade.

Quais os prejuízos para os adolescentes sedentários?

Eles perdem estímulos essenciais para o aprendizado e a performance intelectual.

O seu grupo propõe mudanças na educação física dos ensinos fundamental e médio. Que mudanças são mais importantes?

A primeira é ter na legislação a obrigatoriedade de três aulas de educação física no ensino fundamental e médio em todo o país. Feito isso, diversificar o conteúdo das aulas, hoje restritas a poucos esportes sem contemplar as cinco principais dimensões: esporte, ginástica, lutas, dança e jogos. Diversificar as aulas já traria uma evolução bárbara para a população escolar brasileira, fazendo com que muitos jovens voltassem a participar.

E o que é necessário além de mudanças no currículo básico?

Precisamos investir em infraestrutura, hoje quase sempre precária. E, principalmente, valorizar os professores, que recebem salários incompatíveis com a importância social de seu trabalho. E precisa haver progressão de conteúdo.

Como deveria ser a progressão de conteúdo?

É inadmissível que não haja uma progressão clara de conteúdos. No fundamental, a coordenação motora deve ser priorizada. A ginástica pode ficar mais para frente, e os jogos podem começar cedo. No ensino dos esportes, por exemplo, os aspectos táticos normalmente devem ser ensinados depois dos aspectos técnicos. A definição do momento de ensinar regras devem manter a lógica. E os programas devem respeitar as especificidades culturais das escolas.

Quando se fala na questão da saúde, se prioriza a obesidade e doenças cardiovasculares, mas há outros benefícios. Poderia dar mais exemplos?

Além do já destacado desenvolvimento cognitivo, há a prevenção da depressão, mais frequente em crianças e adolescentes do que se imagina. Jovens ativos têm menor risco de desenvolverem depressão. Há a saúde óssea, pessoas ativas têm menor risco de contraírem osteoporose na idade adulta. E há a socialização, os jovens ativos tendem a se relacionar melhor com seus colegas.

Por que os estudantes não se sentem motivados? Como mudar isso?

A falta de diversidade é um desestímulo. Se aumentarmos a diversidade das aulas, temos convicção de que os estudantes estarão mais motivados. Nem todo jovem tem habilidade ou interesse por futebol ou queimada, mas muitos deles adorariam aulas de slackline, hip-hop ou capoeira, só para citar alguns exemplos pouco trabalhados na escola hoje.

Que países no mundo são exemplos positivos do ensino da educação física?

O Canadá normalmente é citado com o melhor exemplo. Há um forte investimento governamental, o que facilita o dia a dia da disciplina na escola. Mas o Brasil pode partir de seu próprio exemplo, modificando a legislação em favor de três aulas obrigatórias por semana, valorizando os profissionais trabalhadores, investindo em infraestrutura, diversidade e progressão de conteúdos.