Cotidiano

O estrangulamento da sogra

A atitude gerou correria entre os demais parentes que, dizem, socorreram uma senhora aos prantos clamando por justiça

Vivian Weiand

 

O barraco era de família, mas o prédio todo ficou sabendo a razão da gritaria que na noite anterior ecoava pelos corredores. O que se contou de boca em boca foi o “voo” de nossa vizinha sobre sua mesa de jantar, objeto que a impedia, até o momento, de agarrar o pescoço de sua convidada, nada menos que sua sogra, pessoa que sufocava debaixo dos dedos enfurecidos de uma nora que gritava ter sido aquele o último desaforo da “cobra”. A atitude gerou correria entre os demais parentes que, dizem, socorreram uma senhora aos prantos clamando por justiça.

Para quem acompanhava a história, porém, o pedido gerou certa surpresa, já que a agressão da moradora do 701 não deixava de ser consequência das leis de Hamurabi, aquela que ficou conhecida como “olho por olho, dente por dente”, no caso da vizinha se configurando como algo do tipo “palavra por palavra, pescoço por pescoço”. O “fá-sol-lᔠveio na sequência de um “dó-ré-mi” há anos orquestrado por uma pessoa que insistia em ultrapassar os limites do aceitável para críticas, palpites e intromissão no casamento de um filho. Alguma coisa soando familiar? Pois é. Talvez a vontade de esganar uma sogra embale os sonhos de muita gente, homens e mulheres que vivem sob a eterna pressão de estar constantemente driblando as críticas corrosivas que caem como ácido sobre um casamento já sobrecarregado de tarefas e problemas do cotidiano, ao mesmo em que precisam proteger a infância de seus filhos, inocentes que gostam dos avós tanto quanto de seus pais.

E assim, se fazendo de surdos e cegos, há quem consiga manter seus instintos da Idade da Pedra por tempo demasiado longo, mas necessário para que a pessoa inconveniente finalmente se de por conta que intimidade não é sinônimo de falta de respeito, nem de passaporte para interferir até mesmo na autoridade que os filhos têm sobre seus netos, daí a vontade de passar por cima da mesa e apertar o pescoço de quem há anos não sabe conter a própria língua.

No prédio, a sogra não foi mais vista; a nora, assumindo a total falta de compatibilidade, pelo bem de sua sanidade mental advertiu: acabou o tempo em que se submetia às regras da convivência, do fingimento e do “faz de conta que não é comigo”. Os netos a seguem visitando, agora sem a supervisão materna acerca dos assuntos que são tratados na mesa da sogra (que pode, dessa forma, ter atingido seus objetivos), casa da qual voltam duas crianças caladas e ressentidas que lançam sobre a mãe um olhar de desprezo. E assim inocula-se nos pequenos sentimentos ambivalentes que, sabemos, terão grande impacto em seus futuros e nos seus relacionamentos, argumentos revestidos de salutar importância mas não poderosos o suficiente para poupar as crianças dos conflitos familiares.

É triste, e acontece aos cântaros por aí sem que saibamos dar um conselho eficiente. No caso da vizinha não foi diferente: ninguém se atreveu a dar qualquer palpite.

 

A autora é jornalista

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