Cotidiano

Novo secretário de direitos humanos da OEA defende responsabilidade penal de militares por torturas

paulo.jpgBRASÍLIA – O advogado Paulo Abrão atribui sua escolha para ser o novo secretário-executivo da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), à sua atuação nas políticas de direitos humanos implementadas nos governos do PT nos últimos dez anos. Abrão disse, em entrevista ao GLOBO, que os problemas brasileiros na CIDH envolvem a violência nos centros de detenção, os assassinatos de lideres indígenas e de defensores de direitos humanos. Ele lembra que a CIDH irá examinar o caso da morte do jornalista Vladimir Herzog e defende a responsabilidade penal dos militares que cometeram violações, como morte, tortura e desaparecimento, durante a ditadura. Abrão, que associa o impeachment de Dilma Rousseff a um golpe, diz que a CIDH já manifestou preocupação com redução de recursos para programas sociais e o rebaixamento do Ministério de Direitos Humanos a uma secretaria. Abrão está há nove anos na presidência da Comissão de Anistia, ligada ao Ministério da Justiça, e que julga pedidos de reparação de perseguidos na ditadura.

O que pesou a seu favor para o senhor ser escolhido o novo secretário da CIDH, entre 90 candidatos ao cargo?

É um reconhecimento às mobilizações sociais e aos programas de governo na área de direitos humanos que foram implementados ao largo dos últimos 10 anos no Brasil, aos quais eu tive a sorte de ajudar a construir. Eu tive a oportunidade de adquirir experiência em gestão estratégica, financeira e administrativa de políticas públicas, de manejo em diálogo diplomático com outros países, capacidade de gestão de projetos de cooperação internacional, de construir redes de alianças entre Estado-Sociedade Civil e, principalmente, adquirir conhecimento dos sistemas regionais de proteção aos direitos humanos por dirigir atualmente o Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do Mercosul.

Quais as questões mais delicadas envolvendo o Brasil podem colocar o país na mira da CIDH?

A CIDH tem expressado sua preocupação com a violência nos centros de detenção, assassinatos de lideres indígenas e de defensores de direitos humanos. Além do mais, recentemente, submeteu à Corte Interamericana a apreciação do caso Vladimir Herzog indicando o dever de apurar a responsabilidade penal por sua tortura e morte na ditadura. Ao mesmo tempo também fez elogios à implementação do sistema de audiências de custódia.

O senhor defendeu a revisão da Lei de Anistia e a punição a torturadores da ditadura. Essa será uma bandeira ou uma linha de ação na CIDH?

A CIDH já consolidou sua condenação às violações massivas e sistemáticas dos direitos humanos cometidas pelas ditaduras e os conflitos armados em todo o continente ao longo do tempo. Ela possui uma função-chave como último recurso de justiça para as vítimas que não receberam proteção judicial dentro de seus próprios países. Apenas dois países que passaram por ditaduras e conflitos armados internos mantinham leis de anistia e impunidade para os crimes contra a humanidade: El Salvador e Brasil. Agora, na semana passada, depois de 30 anos, a Corte Constitucional de El Salvador se somou ao direito internacional dos direitos humanos e declarou a invalidade da sua lei de anistia.

O senhor participou de um governo, do PT, e manifestou a opinião de que a presidente Dilma Rousseff foi vítima de um golpe. Essa questão pode a vir a ser um tema da CIDH?

A CIDH já emitiu comunicado sobre isso, antes de minha chegada. A CIDH expressou preocupação com a redução de recursos destinados aos programas sociais de habitação, educação e combate à pobreza e também com o rebaixamento do ministério dos Direitos Humanos para uma secretaria. Ademais, recordou que o artigo 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que a vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos e deve exprimir-se através de sufrágio universal.

Quais os principais problemas a enfrentar na região?

Nossa região produz violações de direitos humanos de 3 tipos. Primeiro aquelas vinculadas à uma cultura autoritária e discriminatória, como o machismo, o racismo e todas as formas de desprestígio contra os grupos historicamente discriminados: LGBTI, povos indígenas e tradicionais, campesinos, etc. Depois, temos aquelas violações relativas às nossas debilidades institucionais: justiça seletiva, violência policial, sistema fiscal regressivo. Por último, as violações advindas do processo de exclusão social, que limitam o exercício de quaisquer outras direitos. Os comissionados estão atentos a tudo isso. Temos que saber progredir em todos estes campos, trabalhar para elevar os padrões de desenvolvimento com igualdade em todas as regiões da América Latina e Caribe. Para isso, serão necessárias alianças estratégicas entre todos os atores sociais e institucionais comprometidos com esta causa.

A CIDH estaria passando por problemas financeiros? Como solucionar isso?

É preciso manter uma relação de diálogo constante com os Estados para ampliar o apoio político ao sistema interamericano de direitos humanos. E também trabalhar para reafirmar e ampliar a sua legitimidade. Vamos elaborar um Plano Estratégico realista para diversificar suas fontes de financiamento. O apoio da comunidade internacional de direitos humanos é fundamental.

Que informação o senhor tem sobre a CIDH e sua relevância no cenário do continente?

A CIDH é o principal órgão referente para a transformação da realidade de injustiça em nossa região, para que os países avancem rumo a mudanças estruturais. Ela fixa princípios e estandartes para a construção de um piso mínimo de direitos para todos os países do hemisfério, incluindo EUA e Canadá, estabelecendo os direitos humanos com critério imprescindível para a governabilidade global. Neste instante, a CIDH tem o desafio de se transformar em um centro de produção de consensos para dois propósitos: evitar retrocessos diante da expansão de pensamentos nacionalistas e protecionistas e avançar cada vez mais para a promoção da diversidade e luta contra todas as formas de exclusão e discriminação.