Cotidiano

Novo ?Caça-Fantasmas? combate assombrações e preconceito

SINGAPURA ? Lá se vão 27 anos desde a última encarnação de ?Os Caça-Fantasmas? no cinema. No original de 1984 e na sequência de 1989, Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis e Ernie Hudson enfrentavam assombrações, demônios, semideuses e até um aparentemente inofensivo Homem Marshmallow numa Nova York caótica. Mix de comédia e aventura, com pitadas de ficção científica e horror, os filmes receberam duas indicações ao Oscar, faturaram mais de US$ 500 milhões de bilheteria e geraram duas séries de desenho animado. O original contava com apenas duas personagens femininas de proa, a secretária Janine (Annie Potts) e a violoncelista Dana (Sigourney Weaver). Pois quando resolveu responder à questão central do filme ? e de sua música-tema-chiclete, composta por Ray Parker Jr. ? o diretor Paul Feig não teve dúvidas: chamou as ?Caça-Fantasmas?. Em cartaz a partir desta quinta-feira, Melissa McCarthy (indicada ao Oscar por ?Missão madrinha de casamento?), Kristen Wiig, Leslie Jones e Kate McKinnon (as três últimas, crias do programa televisivo ?Saturday night live?) encarnam as heroínas da vez. Aos homens, restou a posição vaga de secretário, reservada ao australiano Chris Hemsworth (?Thor?). Links ‘Caça-Fantasmas’

Depois de ?Os Caça-Fantasmas II?, recebido friamente pela crítica, Aykroyd, Ramis e Murray ganharam direito de veto a possíveis continuações da história, e jamais se chegou a um consenso sobre uma eventual sequência. Até que o produtor ? e diretor dos dois primeiros filmes ? Ivan Reitman os convenceu a contar uma história centrada na passagem de bastão, ou melhor, das mochilas de próton e do carango Ecto-1, para uma nova geração de comediantes.

Sua ideia era, à la Marvel, estabelecer um universo de histórias a partir dos ricos personagens originais. Um primeiro rascunho chegou a ser esboçado, os irmãos Anthony e Joe Russo (das franquias ?Capitão América? e ?Os vingadores?) assumiriam a direção, e o filme teria Chris Pratt e Channing Tatum como chamarizes, mas a ideia não saiu do papel.

? Foi quando Ivan me sondou para assumir a direção do que seria um ?Caça-Fantasmas III?. Disse a ele que não queria mexer num cânone sagrado da comédia ? conta Feig, que acabou fazendo uma contraproposta: ? E se alterássemos o roteiro e cometêssemos conscientemente o sacrilégio de fazer um reboot do primeiro filme para começar tudo de novo? E se contássemos com protagonistas mulheres? Ghostbusters, afinal, é uma palavra sem gênero definido na língua inglesa.

Diretor de ?Missão madrinha de casamento?, entre outros, Feig é apontado como o principal responsável pela ascensão da comédia hollywoodiana protagonizada por mulheres desde a virada da última década. O filme, no entanto, não é uma recriação tal e qual do clássico de 1984 com mulheres no lugar de homens. Abby (McCarthy) e Erin (Kristen Wiig) são neurocientistas fascinadas por fantasmas e por isso mesmo ridicularizadas pelas colegas do mundo acadêmico. O vilão central não é um ser sobrenatural, mas o solitário cientista vivido por Neil Casey. Entre as mocinhas, Kate McKinnon é a que mais se aproxima do nonsense de Murray, na pele da engenheira nuclear Jillian. E Leslie Jones vive a funcionária do metrô Patty, que se une ao grupo depois da chegada do belo, mas não exatamente brilhante, secretário Kevin.

REAÇÃO RAIVOSA NA INTERNET

Uma tradição na franquia ? Murray ignorou solenemente as falas escritas para seu personagem nos dois primeiros filmes ?, a improvisação foi incentivada por Feig e seguida pelo elenco. E uma das surpresas foi Hemsworth.

? Ele é engraçadíssimo e apareceu com tiradas ótimas, que chegaram a nos desconcertar. E olha que somos macacas velhas! ? brinca McCarthy.

O que ninguém esperava era a reação raivosa de parte dos fãs. O primeiro trailer do novo ?Caça-Fantasmas?, cujo título em português não conta com o artigo feminino plural, quebrou o triste recorde de ser o mais rejeitado da história do YouTube, com mais de 900 mil polegares para baixo até o fechamento desta edição e comentários indignados em torno da troca de gênero dos protagonistas. Jones, que é negra, recebeu uma imagem de um nazista atirando na cabeça de uma mulher de origem africana.

? Sofremos com a misoginia. As reações mais leves eram na linha de ?essa obsessão com o politicamente correto de vocês é culpada por destruir minha infância? ? conta McCarthy. ? Por um lado, eu pensava: quantos anos esses caras têm, será que ainda vivem na casa das mães? Por outro, é importante refletir sobre o perigo desse tipo de manifestação pública, ainda que quase sempre anônima, de ódio, e suas consequências. Até porque não iremos a lugar algum, queridos, continuaremos aqui.

A decepção foi contrabalançada pela aprovação animada dos Caça-Fantasmas ainda vivos. Murray, Aykroyd, Hudson, Weaver e Potts aparecem em participações especiais na segunda metade do filme, embora ainda que não encarnando seus personagens originais. E há uma homenagem a Ramis, que morreu no início de 2014, aos 69 anos, por complicações relacionadas a uma rara doença autoimune. Ele trabalhou com Feig atrás das câmeras na versão americana da série de TV ?The office?, e o diretor escalou o filho e o neto do amigo para aparições no novo ?Caça-Fantasmas?.

? O apoio deles foi fundamental ? diz Feig. ? O Bill (Murray), bem ao estilo dele, antes mesmo que eu começasse a pensar no elenco, falou numa entrevista que não concebia Melissa e Kristen não serem Caça-Fantasmas. Ou seja, ele as escalou antes de mim (risos).

O novo ?Caça-Fantasmas? custou cerca de US$ 150 milhões e conta com efeitos especiais do século XXI, fundamentais para a construção de uma épica batalha com fantasmas na Times Square, de cenas horripilantes de possessão demoníaca e da recriação de personagens como o verdíssimo mascote Geleia, com sua tradicional e nojenta geleca espalhada pelo elenco.

? A menina de 12 anos que ainda mora aqui dentro grita, desde o primeiro dia de filmagem: uhuuuu, sou uma Caça-Fantasmas de verdade! ? diz McCarthy, antes de desaparecer cantarolando a música-tema do filme, na versão atualizada pelo emo-punk do grupo Fall Out Boy.

*Eduardo Graça viajou a convite da Sony Pictures