Cotidiano

Nos EUA, Moro afirma que Brasil tem problema processual, não de leis

WASHINGTON — O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato na Justiça Federal de Curitiba, afirmou em uma palestra na American University, em Washington, nos Estados Unidos, que o Brasil possui boas e modernas leis contra a corrupção, mas que o problema estaria na parte processual. Ele disse que o país não tem ainda muita “tradição” em punir crimes complexos.

— Não temos no Brasil, talvez até agora, uma grande tradição na aplicação da lei contra crimes complexos. Uma das razões para isso é lentidão do processo judicial. Nós temos belas leis, leis modernas, mas muitas vezes o sistema simplesmente não funciona — disse ele, que acrescentou:

— Muitas vezes as pessoas lembram a famosa frase sobre a eleição do ex-presidente Bill Clinton, quando foi dito “É a economia, estúpido!”, e no caso “é o processo”, eu não gosto da palavra estúpido. Mas muitas vezes o problema é o processo, o devido processo legal não funciona.

Reclamando do excesso de recursos existentes no sistema Judiciário brasileiro, que chega às centenas, ele brincou:

— Às vezes, eu nem consigo ir a o banheiro sem que chegue um recurso.

Moro disse que um dos sucessos da Lava-Jato se deve ao apoio que a opinião pública deu a investigação. O magistrado afirmou que o processo tem de ser público, como determina a Constituição, e que favorece a fiscalização da população.

— (Tornar todos os passos da Lava-Jato públicos) Também foi importante porque com isso nós, passo a passo, ganhamos apoio público, da opinião publica, para esse caso. Claro que um juiz não pode decidir com base na opinião pública. Juiz tem de sentenciar considerando apenas a evidência e a lei. Mas, em casos que envolver políticos poderosos, diretores ou proprietários poderosos de empresas, é importante ter a opinião pública do seu lado para impedir qualquer forma de obstrução da Justiça, especialmente em países que não têm tradição de aplicação da lei nesse tipo de casos — afirmou.

Questionado sobre por que os políticos corruptos continuam a ser eleitos no Brasil, ele afirmou que isso é algo “bastante perturbador” e que o processo judicial é importante para prevenir a corrupção sistêmica, mas não pode ser a única ferramenta. Moro lembrou que é muito difícil, num caso criminal, ter provas, especialmente provas acima de qualquer dúvida razoável. Ele lembrou ainda que muitas vezes o político corrupto utiliza esse dinheiro da proprina para pressionar o sistema eleitoral e ter, assim, vantagens indevidas sobre os políticos honestos. Sem citar nominalmente Paulo Maluf (PP-SP), Moro fez uma crítica velada à sua atuação, apresentando como um exemplo deste problema:

— Ele não está envolvido na Lava Jato, então posso falar dele. Temos um político, um deputado federal, que tem um mandado de prisão internacional, emitido aqui em Nova York, e outro emitido pela França. Mas ele continua sendo deputado, e tem sido um parlamentar há décadas. Então, é estranho por que as pessoas continuam a votar nessa pessoa. Difícil dizer o motivo. Talvez, às vezes a influência do dinheiro conte no processo político. E, às vezes, talvez políticos que usam recursos que vêm do crime tenham vantagem na competição contra políticos honestos. Então, é um grande problema, e é por isso que eu digo que o processo judicial é importante, mas não é suficiente.

Ele lembrou que o governo e o Congresso têm de fazer seu dever de casa e que é importante que a opinião pública exija mudanças nas instituições brasileiras.

— O que nos dá esperança nesse caso é o apoio da opinião pública. Mais de três milhões de pessoas foram às ruas em protesto contra muitos temas, mas a luta comum era a luta contra a corrupção. Então nos dá esperança de olhar para o futuro com uma perspectiva positiva.

No final de sua palestra, em tom mais descontraído, Moro tentou rebater as perguntas que o colocam como um símbolo do combate à corrupção do país. Ele disse que estes casos mudaram a cultura do brasileiro, ao citar: “No Brasil hoje os brasileiros conhecem os nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal, mas não o nome dos jogadores da seleção (de futebol)”

— A imprensa diz que eu tenho uma estratégia de investigação. E eu não tenho, a estratégia é dos procuradores e da polícia. Às vezes, meu trabalho é superestimado — disse ele, que afirmou que o Supremo também tem feito um belo trabalho no combate à corrupção.

Questionado por jornalistas sobre o pedido de Claudia Cruz, mulher do deputado afastado Eduardo Cunha, de levar seu processo de Curitiba para o Rio de Janeiro, ele afirmou quer não pode comentar casos em aberto.