Entre tantos e santos jorges, ele é o Salomão. De Waly é irmão, cheio de
saudades. Setentão, enfim, em 3 de novembro, tem certeza de que Frejat vai ligar
e dizer, com aquela voz arrastada: ?Alôooo, parceeeiro? (de ?Política voz?,
sucesso do Barão). Vão ligar Marina (?Pseudoblues?) e Zizi, que cantou ?Noite?,
letra dele, por 38 semanas, batendo o Roberto Carlos nas paradas. Vai ligar
Calcanhotto (?Sudoeste?), mas não Cássia Eller, só a memória de ?Barraco?, do
primeiro disco. Isso para dizer que, como presente de aniversário (para ele e
para nós) vai sair, pela Biscoito Fino, uma compila-songs numa caixa
que terá também vídeo com performances e relançamento do ?Cru tecnológico?, não
esquecer o ?erre? (ele lembra da piada da época do lançamento). Ah, tem livro
novo também, “Alguns poemas e mais alguns”, pela Rubra editora. O resto, ou seja,
a vida, quem conta é ele, em pequenos relatos e aforismos extraídos de uma
entrevista na última terça. Com vocês, Jorge.
O EX-VAIRADO
?Seis meses atrás, fui a meu médico que me disse: ?Você quer ter uma coisa,
é??. ?Por quêee, doutor??. Aí, eu pensei: de sexta a domingo eu só enchia a
cara. Acordava cedo, tomava banho, botava perfume, saía e logo já estava tomando
uma caipirinha, duas, três, quatro, cinco, seis. Depois, ia comer feijoada. Mais
tarde, torresmo. Um desvairado. Aí o médico me pegou pelo braço e me levou à
nutricionista. Ela me pediu 90 dias sem beber. Eu dei 120 dias para ela. Fui me
reeducando numa boa. Gostosamente. Agora, voltei.?
??TÔ PEGANDO?
?Quando voltei, a nutricionista, senhora bacana, baixinha, casada, falou: mas
Jorge você está muito bem! Eu disse: ?Tô pegando!?. Mas com saúde e sabedoria.
?Pegar? é a atmosfera que você espalha eroticamente. Gosto de paquerar.
Mulheres, homens… É bacana ter um entrosamento real com as pessoas, sem medo,
com savoir-faire. O ser humano com a idade vai ficando cheio de defesas,
restrições, e aí empata a melhor coisa, que é o prazer. Mas não pense que estou
só paquerando… Não me tornei um beneditino. Moro sozinho num bonito
apartamento em Santa, tem muito livro, eu bebo, estudo… Mas minhas situações
eróticas são muito fortes… Não sou de ficar rodando, sou do prazer aberto.?
POSSO FALAR?
?Eu peguei pesado. Nos anos 70, 80… Posso falar? Comi meio Brasil. Transei
com meio Brasil. De um jeito respeitoso, carinhoso. E forte. E gostoso! Mulheres
e homens, as pessoas mais interessantes do Brasil. Namorei! Namorei de um jeito
que hoje me deixa com essa limpidez boa. Nunca me omito. E sempre fui bastante
correspondido.?
NÃO ERRO MAIS
?Depois dos 120 dias sem beber, aprendi. Voltei às pinguinhas e batidas. Vou
para Teresópolis com um amigo e bebo bastante vinho: eu agora tenho o sentimento
da medida, não erro mais. Reeduquei. Educação pela pedra, como dizia João
Cabral.?
ESFREGUE AS MÃOS
?Toda vez que você não estiver se sentindo bem, ou ficar melindrado, esfregue
as duas mãos, uma na outra, suavemente. Aprendi com os indianos, quando morei em
Nova York. Renova toda a circulação e a vida floresce.?
FASCISTIZAÇÃO
?O Brasil é um país muito grande. Tem que ser respeitado. Fizeram uma
sacanagem com o Brasil. Uma fascistização, uma geração de ódio generalizado.
Vivi a ditadura. Fui preso. Fiquei oito anos em Nova York. Quando voltei, pensei
em sair de novo, mas aí encontrei a Nélida Piñon na rua e ela disse: ?Fique,
Jorge, nós precisamos de você?. Acreditei e estou aqui.?
VAI PASSAR
?Não posso, pela minha idade, segurar a bandeira da decepção. Minha mãe
morreu com 98, era uma sertaneja forte, antirracista, nos ensinou a trilhar o
caminho bacana. Torço para que tudo isso passe. Gramsci passou 20 anos numa
solitária e ao sair perguntaram o que ele achava da vida. ?Não sinto decepção
alguma?, respondeu.?
A BOCA DA BAÍA
?Trabalho muito as coisas, tenho em casa plantas, converso com elas. É não
deixar a peteca cair. Claro que tenho momentos de solidão absoluta, olhando a
Glória da janela, a boca da Baía, pensativo… Penso em tanta gente! O Brasil é
um país de flores, não cabe numa revista…?
O EMBAIXADOR E O LIXEIRO
?No Rio, os jovens foram às ruas, ocuparam espaço… Eu me insiro nesta
juventude. Não nasci aqui, mas gosto do jeito de andar nas ruas, pedir e dar
informação. De levar a vida. Não se perdeu. Você conversa com um embaixador ou
um lixeiro, ele tem essa alegria. O Rio é imbatível. Quando abre o sol, tem
cidade mais bonita? E na chuva??
BAHIA PRETA
?Não me esqueço da Bahia. Mas tem que ser a preta. Não a Bahia de shopping.
Não vou a shopping. Só aqui, na Travessa. Eu chamo de Traveca. O Ruy, dono da
livraria, morre de rir.?
CARGA DE HUMOR
?Uma das coisas boas que eu e Wally sempre tivemos é a carga de humor. Vejo
gente de menos idade cheia de rancores e limites: ?Ah, eu não falo com sicrano,
eu não olho pra beltrano…??
POBRE PARIS
?Você vai a um café em Paris hoje e todo mundo treme. De qualquer jeito,
nunca gostei, achava blasé… Um amigo ficava tomando café, fumando, parecia que
o mundo era a cinza. Eu bebia Chateauneuf du Pape e ele dizia: ?Você, do Brasil,
um país pobre, tomando vinho??. Eu respondia só isso: ?Eu trabalho??.
ESTRANHA NUMEROLOGIA
?Wally morreu em 2003, faria 73 em 3 de setembro. Eu faço 70 em 3 novembro.
Tínhamos clube filatélico, líamos juntos. O padre chamava a gente de ?vermelhos?
porque líamos Marx e Sartre.?
JAZZ?N?PEACHMENT
?Desde o impeachment tenho ficado muito em casa à noite ouvindo jazz,
Coltrane, Mingus, Miles…?
CONTEMPORÂNEO DO CONTEMPORÂNEO
?Gosto de ser contemporâneo do contemporâneo. Sabe essa gente que se omite,
com rancor, que estrangula a ação do amor? Prefiro torcer pelo mais livre, pelas
pessoas, pelo fazer.?
NÃO À SÍNTESE
?Todos têm direito à amplidão. Porque a síntese? Nem a paisagem é síntese. A
nuvem que passou não é a mesma que vi a priori. Ih! Fui fundo agora, né??
STRONG-EXPRESSO
?Não aguento esse strong-expresso que servem no Brasil! Nos EUA, em Roma,
você pede um e é leve. Aqui, parece que querem foder com o nosso sangue.?
