Cotidiano

Nicole Batista, fotógrafa: 'O que não é chocante não muda nada'

201605260023243933.jpg“Tenho 23 anos e sou carioca. Moro em Nova York há seis meses, mas pretendo ficar por muito tempo, estudando inglês e fotografia. Não consigo lembrar com que idade comecei a fotografar: sempre tive uma câmera comigo.”

Conte algo que não sei.

Minha vida é conturbada por alguns acontecimentos, e percebi que toda vez que eu tinha algum problema, estava mal, ia para a banheira. Quando era criança, fui molestada pelo meu tio. Minha mãe me deixava na casa dele dos 8 aos 15 anos. Eu não tinha muito para onde fugir, porque era um apartamento. Então, ia me esconder no banheiro. Depois de um tempo, ele conseguiu uma chave, e então as coisas aconteciam de qualquer maneira. Assim, eu quis trazer algumas pessoas de quem gosto, ou por quem tenho admiração, para o lugar que era o meu refúgio. Tirei essa imagem ruim de banheira, de esconderijo, de dor, tristeza, e também de não poder ser o que você é, por ser um objeto do outro. Comecei a pensar nisso em uma forma de proteção das pessoas de quem gosto.

Na exposição do nu, há um conflito entre o seu objetivo e o olhar do espectador?

Coloquei fotos de todos os tipos de pessoas, incluindo criança. Para certas pessoas, aquilo é motivo de tara, e isso é um absurdo. Como para mim é um absurdo olhar para uma foto de uma mulher com aparência dentro dos padrões da sociedade e ficar com tesão. Temos que ter um certo respeito com a arte que não temos no Brasil. Não somos educados para a arte. Eu escuto: ?Você não pode ditar o que o outro vai sentir. O outro tem sensações.? Eu não estou impondo nada, só inserindo uma ideia. O nu é uma questão muito complicada, porque nunca achamos que ele está bom o suficiente. Há o medo de como o outro vai ver, e nós deixamos de fazer muita coisa por causa do que o outro vai pensar. O que não é chocante não muda nada.

Você vê diferença na maneira em que o americano e o brasileiro veem o nu?

Com certeza. Mostrei uma das minhas fotos para meu colega de apartamento: era de um pênis duro, lindo. Ele ficou louco, pediu a foto para ele, e é americano e heterossexual, um galinha. Com amigos brasileiros, a reação é: “Manda uma foto de umas tetas aí.” Estamos inseridos numa sociedade muito machista, onde há preconceito com tudo, ninguém pensa no outro. Não é só na parte sexual, é geral. Eu me policio 24 horas por dia, e hoje nós temos a chance de nos reeducarmos.

Como é esse processo?

Se você está magoando o outro, tem alguma coisa errada. Não quero transmitir nada ruim para o outro, só amor. O que falamos, fazemos, pode mudar completamente a vida de uma pessoa, para o bem ou para o mal. Treinei tanto isso na minha cabeça que nem penso mais em coisas negativas. Se vou falar alguma coisa, ela é positiva.

Estamos avançando nesse sentido?

Quando eu estava lá fora, usava as redes sociais e pensava: “A gente tá muito poderoso.” Quando cheguei aqui, vi que a realidade é outra, é um grupo muito pequeno. As pessoas querem dar limites às outras. Quando você diz “não tenho problema, mas…” você joga tudo no lixo. Você quer dar restrições para a pessoa ser o que ela é. Defendemos muito essas pessoas ruins, porque às vezes é alguém próximo, de quem se gosta. É tudo uma agressão ao outro ser humano. Na minha cabeça, tudo é um estupro. Odeio quando falam “Ah, isso não é tão pesado assim” quanto ao racismo, por exemplo, comparando ao que eu passei quando criança. É pesado, sim, é você dizer ao outro como ele deve ser. Vejo que as pessoas estão lutando separadas, mas eu queria juntar todo mundo que é bom e tirar as pessoas ruins do mundo. A gente não está errado em ser quem a gente é.