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Nas arquibancadas olímpicas, brasileiros escolhem lado e vibram com paixão

RIO – Parecia um jogo tranquilo para as americanas Lauren Fendrick e Brooke Sweat, na estreia delas no vôlei de praia em Copacabana. Por 21 a 14, venceram um primeiro set insosso, até a torcida entrar em quadra e a mágica começar. Tomado por brasileiros, o público adotou as polonesas Kinga Kolosinska e Monika Brzostek, entoando, na língua delas, o nome do país. “Polska, Polska, Polska!” Para os Estados Unidos, sobravam provocações: a cada saque, o que se ouvia era um “oooo zika”. Pressão que parece ter surtido efeito. A dupla europeia venceu o segundo set e, num emocionante tie-break, ganhou a partida, na manhã de domingo.

— Com certeza o apoio da torcida nos ajudou muito. Foi incrível ouvir a arena gritando o nome do nosso país em polonês. Isso nunca aconteceu antes. Os torcedores cariocas são fantásticos — disse Monika ao GLOBO.

Nos primeiros dias olímpicos no Rio, a torcida brasileira já mostrou que nunca é indiferente ao que assiste, seja uma partida de vôlei de praia, rúgbi ou tênis de mesa. Quando não há conterrâneos competindo, o público escolhe um lado e vibra como se não houvesse amanhã, de forma tão passional que, às vezes, incomoda torcedores estrangeiros e atletas. Pior para as romenas do handebol no jogo do último sábado, contra a equipe de Angola. A vitória africana era improvável. Mesmo assim, quando a goleira Teresa Almeida, a Bá, de 98 quilos, fazia alguma defesa, todos gritavam seu nome. Logo no início, as arquibancadas cantavam em coro: “Eu sou Angola, com muito orgulho, com muito amor”. As angolanas abriram 4 a 0 e não vacilaram. Com o empurrão da torcida, ganharam por 23 a 19 — literalmente, nos braços do povo.

Na coleção de reações surpreendentes, nem sempre a torcida é pelo time ou atleta mais fraco. Fenômeno americano na ginástica artística, Simone Biles foi ovacionada na Arena Olímpica. Enquanto no Estádio Aquático — já apelido de La Bombonera, em referência ao caldeirão do Boca Juniors —, o nadador americano Michael Phelps saiu da piscina anteontem com sua 23ª medalha olímpica, a 19ª de ouro, e uma emoção diferente de todas as anteriores.

— Tinha tanta excitação vindo da torcida que era possível sentir durante a prova. Eu não sei se já ouvi algo parecido com isso — disse o recordista de medalhas olímpicas.

Mas quando é Estados Unidos competindo, muitas vezes a plateia não tem sido tão amigável assim. No Mineirão, sábado passado, a goleira da seleção feminina de futebol Hope Solo também ouvia o grito de “ooooo zika!” toda vez que pegava na bola, numa reação a uma polêmica foto postada pela atleta nas redes sociais com seu 'arsenal' contra a doença.

SEM PERDÃO PARA A GOLEIRA

A recepção ao Team USA, no entanto, tem sido influenciada por uma publicação nas redes sociais em que a goleira da seleção feminina de futebol Hope Solo aparecia com um mosquiteiro na cabeça, segurando um repelente, numa referência à zika no Rio. A torcida não a perdoou, nem mesmo depois de um pedido de desculpas. Foi a primeira americana a ouvir “oooo zika” no Brasil.

Mais esperada, pela histórica rivalidade, a galhofa com os argentinos também é desavergonhada. Na torcida contra os hermanos, o Engenhão virou Argélia desde criancinha anteontem, pelo torneio de futebol masculino. Teve “Huuuu” quando os africanos quase marcaram. E urros para comemorar o gol do argelino Bendebka, como se fosse de Neymar. Na partida épica de tênis entre o sérvio Novak Djokovic e o argentino Juan Martin Del Potro, os brasileiros escolheram o europeu. Nas arquibancadas, argentinos cantavam “olê, olê, olê, Delpo, Delpo”, os de verde e amarelo respondiam “lê, le-ô, le-ô, Djoko!”. Clima de Libertadores num esporte onde o silêncio reina.

— Honestamente, não sei como agradecer. Esse tipo de atmosfera senti poucas vezes na minha vida. Eu me senti como se estivesse no meu país, como se fosse brasileiro. Foi incrível. Agradeço do fundo do meu coração — disse o sérvio, que acabou perdendo.

Como número 1 do mundo, não chega a ser uma surpresa o apoio dos brasileiros a Djokovic, que deixou a quadra aos prantos. Mas a fama não é requisito para um atleta provar o sabor do incentivo carioca. Anteontem, as egípcias Nada Meawad e Doaa Elghobashy entraram na arena de vôlei de praia com véu, calça e mangas compridas. Perderam para a Alemanha, ganharam os brasileiros. E também uma adaptação de um clássico do axé baiano, do Chiclete com Banana: “E-gi-to, oba, oba!”.

A arena de Copacabana é das mais animadas. No jogo entre Chile e Holanda, um grupo de brasileiros cantava em uma só voz com dezenas de chilenos nas arquibancadas. Inovaram ao saudar os primos Marco e Esteban Grimalt berrando o nome do poeta Pablo Neruda e do político Salvador Allende. Até irritaram os europeus, que tiveram o ego massageado, depois, com gritos de “Van Gogh”. Paz selada: tudo acabou em selfies no calçadão. 

Não era nada contra os holandeses. No Maracanãzinho, durante uma partida do vôlei de quadra feminino, os donos da casa escolheram os “laranjas” na disputa contra a China, no sábado. As orientais eram favoritas, possível pedra no caminho do tricampeonato olímpico brasileiro. As européias voltavam aos Jogos depois de um jejum de 20 anos. O público não titubeou: elegeu a ponteira Lonneke Sloetjes como queridinha, enquanto ressoavam nas arquibancadas gritos de “Holanda”.

— Tinha um casal de belgas do meu lado, que começou a cantar Holanda também, assim como os brasileiros, em português mesmo. Foi emocionante — contou o paulista Michel Santos, apaixonado por vôlei, que viu as holandesas surpreenderem, ganhando o jogo no tie-break.

Até em esportes com pouca tradição no Brasil, a Olimpíada tem mostrado que o brasileiro gosta mesmo é de torcer. No levantamento de peso, quando o chinês Long Qingquan levou o ouro na categoria até 56 quilos, batendo o recorde olímpico ao erguer 170 quilos, o Pavilhão 2 do Riocentro vibrava como num Fla x Flu. A torcida também reconhece o esforço dos atletas, mesmo de adversários. Ontem, na derrota do Brasil para o Japão no basquete feminino, as jogadoras asiáticas foram aplaudidas por todo o ginásio ao fim da partida. Pode ser que elas nem ganhem medalha. Mas será difícil esquecer o jeito brasileiros de torcer.

ENTRE EUFORIA E MÁ EDUCAÇÃO

Algumas atitudes da torcida incomodam até brasileiros. O funcionário público Paulo Esteves se indignou na partida entre Brasil e Bélgica no hóquei sobre grama masculino. Saiu com a sensação de ter ido a uma “arena romana”. Num ressoar de vaias para os belgas, o clima, diz ele, era de deboche:

— Só faltou lançarem tomates em campo. O Brasil perdeu de 12 a zero, mas o mais vergonhoso foi o público. Os torcedores da Bélgica estavam constrangidos.

Na semifinal vencida por Rafaela Silva no judô, ontem, o público chegou a cantar “vai morrer!” para a romena, sua adversária. “Fura ela”, exclamavam furiosos brasileiros na disputa feminina da esgrima ontem, tentando animar uma atleta chinesa. Tons acima, certamente, que levaram os locutores do evento a pedir que parassem as vaias, estranhas ao esporte.

O comportamento virou assunto da imprensa internacional, do New York Times à Reuters. A agência chegou a publicar que os brasileiros estariam “surdos” para o espírito olímpico. Foi tema também do briefing do COI/Rio-2016 ontem. O diretor de Comunicação da Rio-2016, Mario Andrada, disse que o público brasileiro está “aprendendo” como se comportar e torcer em esportes além do futebol.

Por outro lado, a jogadora de vôlei de praia Georgina Klug, da Argentina, se rendeu aos brasileiros apesar das provocações.

— Essa torcida me encanta. Prefiro mil vezes os brasileiros gritando contra do que os torcedores frios e indiferentes da Europa. Os brasileiros são mais calientes — brinca Klug.