Cotidiano

?Não há maior defensor do Enem que eu?, diz procurador que pediu anulação da prova

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RIO – Procurador da República no Ceará, Oscar Costa Filho carrega em seus 59 anos de vida 11 filhos, 25 anos no Ministério Publico Federal e pelo menos 12 ações civis públicas contra o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que organiza o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A última ação foi aberta na segunda-feira, com o pedido de anulação da prova de redação após suspeita de vazamento do tema. Quatro dias antes, ele já havia pedido a suspensão do Enem.

O cearense de Nova Russas, no sertão cearense, cujo pai contava ter 34 filhos, passou a infância em Brasília, onde chegou de pau-de-arara. Hoje, gosta de fazer referências a David Cameron, José Saramago e Bertold Brecht e compara a sua atuação com a de um sacerdote: ele quer cuidar da lisura da prova

Como o senhor vê as críticas sobre sua ?obsessão? pelo Enem?

Eu não tenho obsessão pelo Enem. Todas as nossas intervenções partem de demandas de estudantes. Temos uma história de 25 anos na luta pela correção de concursos públicos no Ceará, mas como o Enem tem efeito nacional, as pessoas acham que nossa atuação é nova. Já garantimos o acesso de deficientes a vagas em edital, e fizemos incluir a possibilidade de revisão de notas em vestibulares estaduais. Daí surgiu o Enem e eu falei: graças a Deus, um problema a menos. Éramos felizes e não sabíamos.

Na ação civil pública que o senhor ajuizou na semana passada, o argumento para a suspensão é que duas datas diferentes de prova podem prejudicar os candidatos por haver temas de redação diferentes. Mas isso não já acontece nas provas aplicadas em unidades prisionais?

Primeiro, é posição oficial do Inep que a redação não se submeta ao método da Teoria de Resposta ao Item (TRI) [abordagem que o Inep afirma permitir o equilíbrio de provas diferentes]. No caso das unidades prisionais, ou de catástrofes naturais, são situações excepcionais.

Qual é o seu histórico de ações contra o Enem?

No Enem de 2010 houve erros na impressão das provas. Logo em seguida veio o problema com o colégio Christus [em 2011, alunos da unidade, em Fortaleza, receberam, a uma semana da prova, apostilas com dez questões iguais às do Enem]. Não tinha ano que não tivesse problema. Com as contas feitas pela Advocacia Geral da União (AGU) [em 2013, a advocacia pediu seu afastamento pela conduta contra o Enem], hoje eu teria 12 ações civis públicas contra o Inep.

O senhor já venceu alguma ação?

Ganhamos na primeira instância, mas quando chega à segunda instância através de algum recurso, o presidente do tribunal costuma suspender o processo, sob alegação de lesão à ordem pública. Além disso, o calendário do vestibular acaba, sem tempo para que o processo seja concluído.

O senhor acha que o seu protagonismo em ações contra o Enem pode levar a uma resistência de juízes?

Não acho que haja prejuízos ou preconceitos. Acho que cada juiz julga de acordo com a sua convicção. Quando o primeiro-ministro do Reino Unido David Cameron renunciou, após a derrota no plebiscito do Brexit, ele falou: ?eu já fui o futuro?. Ou seja: as grandes obras parecem ser insuficientes. Nossa postura é de sacerdócio. Você acha que se não fosse o Sérgio Moro haveria a Lava-Jato?

Hoje, quais são os pontos fracos do Enem?

Por que o aluno não pode pedir revisão administrativa da nota da redação? Não tem. Recurso, só de ofício [quando, internamente, uma terceira banca resolve discrepância entre as avaliações de duas bancas]. Mas quem vai para a Justiça, ganha. Outro ponto que também é agressivo: o espelho da redação corrigida não é simultaneamente divulgado com a nota da redação, às vezes só quando o estudante já está fazendo matrícula na universidade. Assim, ele não tem elemento para contestar a nota.

O senhor acha que essas ações civis públicas contra o Inep têm contribuído para o aprimoramento do Enem?

Indiscutivelmente. A questão da logística da prova, que a gente tem cobrado, melhorou, por exemplo, com a adoção do lacre eletrônico nos malotes com provas.

O Inep argumenta que a abordagem do tema da redação deste ano, sobre intolerância religiosa, foi diferente do que foi ?vazado? no ano passado. O senhor vê diferenças?

De onde o Inep tirou as informações sobre esse tema? Do mesmo site nos dois casos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Você tem uma equipe para selecionar um tema de uma redação e peca pelo vício da falta de ineditismo. Há colégios que passaram o ano treinando esse tema. A Polícia Federal está apurando alguns vazamentos como crimes, mas independente de culpa ou dolo, os candidatos foram prejudicados. É um vazamento oficial, mesmo que não tenha tido fraude. Os efeitos são os mesmos.

Mas uma eventual suspensão da prova não pode prejudicar milhões em detrimento de poucos?

Quando é um problema individual, não tem problema, administrativamente você elimina do concurso. Mas eu não preciso ir para o labirinto de onde vão parar essas investigações da Polícia Federal para dizer que houve violação ao direito dos candidatos com a falta de ineditismo do tema da redação. Não é um candidato entre oito milhões: no vestibular, cada item é decisivo.

Tantos embates jurídicos não geram instabilidade para o exame?

As ações são para gerar a estabilidade do sistema. Eu acabei sendo o problema do Enem, mas tenho dito: estão culpando o sofá pela prática do adultério! O sofá não tem culpa do adultério, e evidente que eu não quero dificultar, apenas quero que as coisas aconteçam com lisura. Eu fico sendo o patinho feio da história, e os alunos prejudicados no direito deles.

Em comparação com o modelo antigo de vestibular, o senhor é a favor do Enem?

Não há ninguém mais defensor do Enem que eu, por isso luto para aprimorá-lo. As conquistas são enormes na questão do acesso, da integração nacional. Mas o Enem precisa de correções de rumo.

Na ação civil pública o senhor pede a anulação da redação. O exame deste ano pode ser concluído só com as notas da prova objetiva?

Aí é que está o problema, ninguém sabe no que vai dar. Mas não temos elementos para tocar na questão da prova objetiva nas ações.

Como foi o seu vestibular?

Dei aula de português em escolas e pré-vestibulares de Fortaleza por mais ou menos 15 anos antes da faculdade. Quando prestei vestibular, o tema era familiar para mim. Cursei Direito na Universidade Federal do Ceará.