Cotidiano

Mulheres em tempos de guerra

Mês de agosto sempre é um mês de reflexão para aqueles que se dedicam ao estudo de grandes conflitos mundiais. Há 47 anos, agosto foi um mês de ânimos acirrados e de secretos e estratégicos planejamentos que causariam um estrago de dimensões inimagináveis em toda a Europa, crueldade coroada com o lançamento das bombas atômicas no Japão. A segunda Grande Guerra deixou largo registro, como toda guerra, de como se atropela os direitos – e a vida – de uma pessoa. O que pouco se fala em qualquer abuso nos bastidores de conflitos dessa magnitude é sobre as pessoas que serviram à guerra em cativeiro.

As “mulheres de conforto” ou “mulheres de alívio” tiveram uma razão oficial para existir:  evitavam que os soldados violassem mulheres das zonas onde estavam estacionados, impediam que os soldados adquirissem doenças sexualmente transmissíveis com prostitutas  e minimizavam o risco de espionagem. O que esqueceram de perguntar é se as jovens, a maioria menor de idade, aceitaram esse triste destino. Entre 1932 e o fim da II Guerra Mundial, o Japão obrigou 200 mil mulheres — dados dos historiadores que investigam o tema — a prostituirem-se nos “bordéis do exército” que Tóquio mantinha nas suas várias frentes de guerra.

Sabe-se que passado de mulher e cozinha de restaurante oriental melhor não ivestigar, mas quando esses dois temas colidem a pimenta é dolorosa. A questão é polêmica no Japão, onde os governos tentam não fomentá-la e evitam responder sempre que a Coréia do Sul ou as organizações que defendem as mulheres, hoje todas anciãs, voltam a exigir justiça e indenizações.

A sul-coreana Hwang Keum-ja, na época com 16 anos, foi uma das jovens prostituídas. Terminada à guerra, voltou para a Coréia, adotou um menino e sobreviveu com o apoio do estado e com a coleta de lixo. Hoje com mais de 90 anos, Hwang Keum já tentou, como quase todas as outras, que o Japão admitisse o crime e a necessidade de compensação financeira. Nas reportagens feitas com as sobreviventes ao longo dos anos — e nos testemunhos recolhidos por organizações como a americana Coalition for Confort Woman Issues ou a Anistia Internacional —, há histórias de meninas enganadas, raptadas e relatos de estupros e espancamentos a quem resistia.

Em 1993, o governo japonês pediu publicamente desculpa. A política oficial sobre o tema tem sido não falar no assunto  já que, no Japão, restam menos de 50 sobreviventes dos bordéis destinados ao exército japonês. Esterilizadas com injeções de mercúrio, as mulheres de conforto não foram mães. Aquelas que voltaram às suas familias eram motivo de vergonha e nem sempre foram recebidas por seus parentes que as empurravam para baixo do tapete. Um destino comum às sobreviventes foi viver na marginalinalidade e recorrer ao suicídio, como conta Lee Ok-Seon, hoje com 89 anos. “Como podia ir para casa? Estava escrito no meu rosto que eu era uma mulher de alívio. Jamais poderia olhar minha mãe nos olhos novamente.” E resume tudo com as seguintes palavras: “Não era um lugar para seres humanos, era um matadouro”. Muitas das escravas sexuais, em sua maioria crianças, não sobreviveram aos tormentos. Estima-se que dois terços dessas mulheres morreram antes do fim da guerra.

Dentre as desculpas de autoridades japoneses, há quem diga não haver provas de que as mulheres dos bordéis foram, de fato, obrigadas a prostituir-se; outros põem em dúvida a existência delas, diminuindo seus dramas pessoais. Outra fala do governo japonês é que não há como avaliar e repreender a questão de prostituição em tempos de guerra à luz dos dias e da moral de nosso tempos. Mesmo assim, em dezembro de 2015 o Japão assinou acordo que prevê um fundo de compensação para essas mulheres no valor de 7,5 milhões de euros a um fundo administrado pela Coreia do Sul, o que não resolve, mas pelo menos reconhece os grandes prejuízos causados as mulheres sequestradas em tempos de guerra.

Passados 70 anos, porém, a moral de nossos tempos parece mesmo estar em baixa. Conflitos prosseguem expondo um lado sombrio do homem de usar a força não apenas para matar, mas para subjulgar e destruir. O sequestro de 276 adolescentes em uma escola nigeriana em abril de 2014 provocou uma onda de indignação e concentrou a atenção mundial para o resgate das adolescentes. Dois anos depois, o governo nigeriano vem sendo duramente criticado por sua morosidade no resgate não apenas das meninas, mas de outras mulheres e crianças sequestradas em diferentes partes do país cujo destino ainda segue desconhecido.

Vivian Weiand

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A autora é Jornalista