Cotidiano

'Mulher estuprada que se acha culpada é a maior vítima', diz ativista

2014_701989342-2014032813964.jpg_20140328 (1).jpgRIO ? Responsável por uma campanha que se tornou viral nas redes sociais há dois anos, sob a hastag #EuNãoMereçoSerEstuprada, a jornalista Nana Queiroz ficou indiganada com a pesquisa divulgada nesta quinta-feira dando conta de que um terço da população brasileira acha que a vítima de estupro deve ser culpada pelo crime. O mesmo estudo, feito pelo DataFolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), diz que 42% dos homens acreditam que a violência sexual ocorre porque a mulher não se dá ao respeito e/ou usa roupas provocativas, afirmação corroborada por 32% das mulheres ouvidas.

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? O que achei mais escandaloso nessa pesquisa foi o fato de que algumas mulheres ainda acham que as vítimas têm culpa. É uma questão tão cultural e arraigada que entra até na cabeça delas. Tem gente que diz que são as mães que estão passando esse tipo de argumento para os filhos, não é verdade. Uma mulher que acha que, se for estuprada, a culpa é dela, ela é a maior vítima de machismo que há, uma das mais oprimidas, e precisa de ajuda ? diz Nana, que sofreu abuso sexual na infância.

A jornalista recebeu mais de 500 mensagens agressivas após o protesto individual em 2014, sendo que a maioria dos textos traziam ameaças de estupro. Hoje, por meio da organização AzMina, onde trabalha, Nana lida frequentemente com vítimas de estupro, que escrevem para a revista em busca de conselhos.

? A expressão objeto sexual já foi tão banalizada que acaba não tendo mais o peso que deveria ter. Mas uma pessoa objetificada significa que ela deixa de ser sujeito, que sofre e sente dor e traumas. As pessoas estão muito prontas para ver a mulher nua no Carnaval e para o prazer masculino, mas quando a mulher usa a nudez para fazer do corpo dela um objeto político, e não sexual, ela é punida pela sociedade, como aconteceu comigo ? frisa.

Coordenadora executiva da Organização CEPIA e membro do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, a socióloga Jacqueline Pitanguy também lamenta os resultados da recente pesquisa:

? Fico muito triste. Esses dados espelham a presença da cultura do estupro no país. Ele é visto não como um crime, mas quase como um castigo por algum tipo de comportamento. No fundo, a mulher estuprada está sendo castigada porque usou uma determinada roupa ou andou em um lugar que não podia andar à noite. Assim, entra-se num nível extremamente perigoso e perverso de subjetividade porque não há, de fato, uma medida sobre qual é a altura da saia, por exemplo, para que ela possa incitar um abuso. Fico muito triste com os dados da pesquisa, mas quero crer que 68% das mulheres e mais de 60% dos homens entrevistados não fazem parte dessa cultura.

Numa análise por faixa etária, a pesquisa mostra que 44% dos brasileiros com 60 anos ou mais acreditam que uma mulher que se vista de forma provocativa não pode reclamar se for estuprada. Do outro lado, 77% dos jovens entre 16 e 34 anos, entrevistados na ação, discordam dos mais velhos. Os níveis de escolaridade também influenciam na opinião, de acordo com os dados coletados: apenas 19% daqueles que cursaram o ensino superior compartilham da visão de que a mulher também é culpada ao sofrer o abuso. Já os brasileiros que defendem que meninos sejam educados a não estuprar chegam a 91%.

? Os jovens são o futuro do país, então, isso sinaliza uma mudança de padrão cultural, muito importante para a transformação das leis e do comportamento. Mostra que eles estão menos preconceituosos, menos machistas e rejeitam a questão do estupro, que está mais difundida nas pessoas mais velhas, mais conservadoras e imbuídas dos padrões machistas patriarcais ? ressalta Jacqueline.