Cotidiano

MPF e entidades veem ilegalidade em revisão de terras indígenas

BRASÍLIA – A possibilidade de o governo de Michel Temer rever demarcações de terras indígenas reconhecidas no mês passado, conforme publicado pelo GLOBO nesta segunda-feira, suscitou críticas de organizações sociais, representantes indígenas e juristas. Para a subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, a revisão da demarcação de 56 mil hectares de terra fere a Constituição Federal.

Segundo ela, a revisão só é possível diante de algum vício de legalidade (uma espécie de erro no processo), o que ela não acredita ter acontecido. Ela explica que foram frequentes as trocas de informações entre Funai e Ministério da Justiça exatamente para evitar problemas posteriores à publicação dos atos.

? Eles foram sendo construídos ao longo do tempo. Já estavam há muito tempo indo e vindo da Funai para o ministério para que não houvesse possibilidade de interferência judicial ? disse Deborah.

Segundo Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA), a revisão dos decretos não é viável juridicamente por se tratar de atos vinculantes e declaratórios. Ou seja, não foram decisões discricionárias e unilaterais, mas um resultado de discussões, principalmente entre Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério da Justiça (MJ), que reconhecem direito anterior à formalização.

? Há uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), ao interpretar artigo 231 da Constituição Federal, dizendo que demarcação é ato vinculado, ou seja, é obrigação da administração pública demarcar. Mais do que isso, o ato que demarca a terra indígena é de natureza declaratória, o que significa que ele apenas declara um direito preexistente ? disse Guetta.

O ISA deve enviar em breve ofícios ao Ministério da Justiça, para a Casa Civil e a Presidência da República apresentando esses argumentos pela impossibilidade jurídica de se reverter as demarcações. Também a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) prepara uma manifestação contra o que qualifica como uma possibilidade de ?retrocesso?.

Deborah Duprat reconhece as pressões políticas sobre a questão, mas diz que a Constituição tem de prevalecer na discussão. A reportagem do GLOBO mostrou que, semanas antes de assumir a Presidência, Temer se reuniu com deputados e senadores ligados ao agronegócio e se comprometeu a rever as medidas.

? Se a disputa política prevalecer, estamos diante de um problema grave de ordem Constitucional ? disse Deborah Duprat.

Por enquanto, o Ministério da Justiça informou que não haverá nenhuma revisão das demarcações sem um processo de diálogo com as comunidades. No entanto, nos bastidores, o governo ainda não tem plena segurança sobre a viabilidade jurídica dessa revisão.