Cotidiano

Mostra ?Territórios? mergulhou na realidade de moradores de Sergipe e Alagoas

RIO ? Em cartaz desde quinta-feira no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab), na Praça Tiradentes, a exposição ?Territórios? não é uma simples mostra de peças produzidas por artesãos. O projeto nasceu de um mergulho ao longo de três anos na realidade dos moradores de Poço Redondo, Sítios Novos e Poço Verde, em Sergipe, e Ilha do Ferro e Entremontes, em Alagoas. O objetivo era conhecer suas condições de vida e trabalho para, a partir daí, focar na produção.

Convidada para assinar a concepção visual e a direção geral da mostra, Bia Lessa mergulhou junto. E, em vez de apenas mostrar o artesanato local, decidiu contar o que o projeto encontrou. Primeiro, ela escolheu Poço Redondo, onde Lampião e Maria Bonita foram mortos, para dar vida à exposição e ocupar três salas do Crab. Depois, criou quatro instalações em forma de esferas para abrigar os outros quatro municípios que participaram do projeto e as instalou na praça, em frente ao prédio. A curadoria de ?Terrotórios? é de Renata Piazzalunga, do IPTI.

? A gente invadiu a Praça Tiradentes, um dos lugares mais lindos do Rio, que tem um entorno cultural extraordinário. A ideia das bolas é entrar um pouco nisso, estabelecer um diálogo com o que acontece em volta e usar o espaço. A cidade é nossa, e a gente esquece ? diz Bia.

A primeira sala da exposição apresenta a história de Poço Redondo e seus principais personagens com centenas de fotos e informações escritas nas paredes com uma caligrafia criada especialmente para a mostra por um grupo de jovens de São Paulo. É possível ler a história de mulheres como Zefa da Guia, benzedeira e parteira da região, que, segundo conta em seu blog, já fez mais de cinco mil partos.

No chão, está impresso um mapa para representar a relação entre a cidade e as metrópoles. Uma bola de um metro e meio de diâmetro, coberta com dados sobre Poço Redondo, pode ser manipulada pelos visitantes, que vão interagir entre si para ler o conteúdo. A ideia, segundo Bia, é evocar o caráter colaborativo da vida dos artesãos.

? As pessoas têm que negociar com as outras. Enquanto um lê de um lado, outro lê de outro. Acho que isso é um passinho a mais dessa exposição que vai além do interativo. O diálogo e estar junto na diferença são cada vez mais fundamentais.

Uma linha vermelha com 928 bandeirinhas penduradas passa por todas as salas, representando os dias de duração do projeto. A cor também está nas paredes da sala seguinte, em bordados que vão do chão ao teto contendo informações sobre Poço Redondo. No centro, 19 cadeiras com cores diferentes e dispostas em círculo representam cada artesão e o trabalho feito por ele antes de participar do projeto.

? É um diálogo extraordinário. A troca de conhecimento é a coisa mais linda do ser humano porque é irreversível ? diz Bia. ? O trabalho manual e a sua sofisticação, de alguma forma, são as maiores das tecnologias, têm uma sabedoria do ponto de vista humano que transcende a própria forma.

Na última sala, 2,5 milhões de pregos presos nas paredes formam as respostas dadas por 19 artesãos ao questionário sobre a sua rotina e vida pessoal. Um rolo de tecido de 40 metros bordado por uma equipe da Coopa-Roca, e disponível para ser manuseado livremente pelo público, mostra as postagens que foram feitas ao longo dos três anos da iniciativa. Também estão expostos os produtos que foram feitos pelos artesãos depois de participarem do projeto.

? Acho bacana essa confiança do coletivo. Um prego não faz nada, mas dois milhões podem fazer muita coisa. Quando você entra por aquela sala e o prego sozinho se transforma naquele paredão, ele deixa de ser profano e passa a ser sagrado. É uma metáfora para o trabalho do artesão ? explica Bia.