Cotidiano

Moro defende remédios excepcionais no combate à corrupção sistêmica

SÃO PAULO. O juiz Sérgio Moro defendeu “métodos especiais de investigação” e “medidas judiciais fortes”, como prisões cautelares, no enfrentamento da corrupção sistêmica. E afirmou que a adoção de “remédios excepcionais” não pode ser considerada uma “escolha arbitrária”, mas medida necessária, na forma da lei, para “romper o ciclo vicioso”. Em artigo de introdução à edição em português do livro “Operação Mãos Limpas”, dos jornalistas italianos Gianni Barbacetto, PeterGomez e Marco Travaglio, o juiz da Operação Lava-Jato fez ainda um alerta: a Justiça criminal, sozinha, não tem condições de reformar democracias contaminadas pela corrupção se não houver empenho dos próprios políticos, das empresas e da imprensa livres.

“Em um contexto de corrupção sistêmica, penetrante, profunda e disseminada nas instituições e na sociedade civil, a adoção de remédios excepcionais não pode ser considerada uma escolha arbitrária, mas medida necessária, na forma da lei, para romper o ciclo vicioso”, escreveu Moro, lembrando que a resposta da Justiça criminal é limitada e outras instituições e a sociedade civil devem operar.

“Se o mercado disser não à propina, por ação individual ou coletiva, esquemas de corrupção sistêmica não têm como prosperar. Ninguém se corrompe sozinho”, lembrou o juiz, que já estudava a Operação Mãos Limpas antes de assumir a Operação Lava-Jato em primeira instância.

Moro diz que as soluções para inibir a corrupção são simples, mas de difícil implementação e que o primado da lei deve ser restabelecido, com a superação do que chama de “disfunções” do sistema de Justiça criminal, motivadas por interesses, para garantir o bom funcionamento.

“Para males democráticos, soluções democráticas são necessárias”, ressalta.

O juiz lembra que “homens não são anjos” e sempre haverá “aqueles dispostos a decaírem”, mas avalia que a corrupção sistêmica não é algo comum e não existe em todo e qualquer lugar. Gera gera custos enormes à economia, ao bem estar geral e mina a confiança na democracia. “Constitui uma degeneração da democracia. Talvez o termo cleptocracia seja mais adequado”.

Moro diz que, nos primeiros anos, a Operação Mãos Limpas teve apoio avassalador da opinião pública italiana, que identificou como “verdadeiros heróis” os magistrados encarregados dos processos. Observa, porém, que a história não é apenas de sucesso, pois passado os primeiros anos, veio o contra-ataque.

Houve desmobilização da opinião pública e, paulatinamente, “o sistema corrupto” passou a reduzir as consequências dos processos judiciais, anistiando crimes ou reduzindo penas, além de aprovar leis que dificultavam as investigações. “Algumas das iniciativas mais acintosas de obstrução da Justiça foram, de início, repelidas, mas várias delas, algumas mais sutis, foram progressivamente aprovadas”.

Os magistrados, antes aclamados, segundo Moro, foram cada vez mais atacados por “supostos excessos” nos processos, embora não tenham sido identificados casos de inocentes que tenham sido presos ou condenados indevidamente. Ele relata que o elevado número de prisões não gerou número equivalente de condenações e as anistias fizeram com que as penas não fossem significativas. “O que realmente provocou a discrepância foi a reação legislativa do sistema político corrompido”, escreveu.

Moro lembra que a avaliação da Operação Mãos Limpas é controversa e que há dúvidas se, depois dela, a corrupção diminuiu na Itália, e afirma que, se os resultados não foram os esperados, a culpa não é da própria Operação, mas do sistema político e das demais instituições, que não foram capazes de, na janela de oportunidade criada pelas investigações, “aprovar as reformas necessárias para prevenir o restabelecimento ou a perpetuação da corrupção sistêmica”.

O livro “Operação Mãos Limpas” está nas livrarias a partir de 10 de outubro. O jornalista Gianni Babacetto, um dos autores, participa no dia 9 de outubro de seminário em São Paulo, a convite da GloboNews e da Revista Piauí.