Cotidiano

Ministério Público pede ao TCU para investigar organização social de saúde no DF

BRASÍLIA ? Com problemas de caixa para financiar a Saúde, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) avalia transferir a administração de parte da rede do Distrito Federal a organizações sociais, chamadas de OS. O modelo é usado em diversos estados, como Rio de Janeiro, onde entidades desse tipo são investigadas por corrupção em contratos semelhantes. Na capital da República, o sistema está na mira do Ministério Público Federal, que pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalizar os recursos repassados à OS Instituto de Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), responsável pela gestão do Hospital da Criança de Brasília José Alencar.

O Icipe recebeu R$ 267,2 milhões de 2011 a 2016, dos quais R$ 72,5 milhões saíram dos cofres federais. Na representação encaminhada ao TCU, a procuradora da República Luciana Loureiro Oliveira questiona a legalidade do contrato de gestão firmado com o governo do Distrito Federal (GDF) devido, entre outros motivos, à falta de planilhas de custos para justificar os pagamentos. Ela afirma também que o Icipe foi credenciado pelo GDF como OS sem cumprir exigências legais, como apresentação de balanços patrimoniais dos últimos dois anos, até porque a entidade havia acabado de ser criada naquela época com o objetivo de assumir o hospital sem licitação.

A criação relâmpago de entidades é parte comum das suspeitas levantadas por órgãos de controle de diversas partes do país em relação a contratos públicos com organizações sociais. As relações estreitas entre pessoas ligadas a essas instituições e os governos locais são um outro aspecto que se repete. No caso de Brasília, o dirigente do Hospital da Criança, o médico Renilson Rehem também preside o Instituto Brasileiro de Organizações Sociais de Saúde (Ibross), criado em outubro do ano passado e que tem 20 entidades associadas. Hoje, segundo ele, há OS atuando em 22 estados e no Distrito Federal, além de contratos com mais de 200 municípios.

Apesar de ser um representante oficial do setor das organizações sociais na área da Saúde, promovendo-as país afora, o médico foi um dos escolhidos pelo governo de Brasília para integrar o grupo de trabalho instalado no ano passado que elaborou estudo sobre a ?descentralização? do SUS no DF. Rehem também tem assento no Conselho de Saúde do DF, por onde qualquer proposta de transferir a gestão de novas unidades de assistência a entidades sociais precisará passar.

O dirigente do Hospital da Criança rebate as insinuações de um suposto conflito de interesses. Segundo Rehem, os mais de 40 anos de experiência profissional, com passagem pelo Ministério da Saúde, explicam o convite para o grupo de estudo instalado pelo GDF no ano passado e a participação no Conselho de Saúde do DF. O médico destaca que seu trabalho é ?de graça? nos dois casos. E que, em nenhuma das duas instâncias, milita indevidamente a favor das organizações sociais.

? Sei que para muita gente é difícil de acreditar, mas eu estava dando uma ajuda desinteressada (no grupo de trabalho) ? afirma Rehem.

? O Ibross não é um sindicato de organizações sociais. Queremos separar o joio do trigo, garantir a qualidade das instituições.

ALEGAÇÕES ?EVASIVAS?

O presidente do Hospital da Criança classificou as alegações do Ministério Público Federal de ?evasivas?. Segundo Rehem, a criação do Icipe estava prevista no acordo feito entre o GDF e a Associação Brasileira de Assistências às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace) para a construção da unidade de saúde. Por esse motivo, a entidade foi, de fato, credenciada como OS pelo GDF sem atender a todas as exigências previstas em lei, como dois anos de funcionamento. Ele ressalta ainda que duas prestações de contas ? de 2011 e 2013 ? foram aprovadas pelo Tribunal de Contas do DF, e as demais aguardam julgamento.

? Há uma resistência à inovação na Administração Pública. Não se pode imaginar que toda OS seja igual. Mas, a cada exemplo ruim, tende-se a sacrificar o modelo. Se fosse assim, tínhamos que acabar com as estatais por causa dos casos de corrupção ? critica.

Leila Göttens, subsecretária de Planejamento da Secretaria de Saúde do DF, credita ao ineditismo do contrato de gestão com o Icipe à época, em 2011, os questionamentos levantados. Ela afirma que a dispensa de licitação se deu pela falta de outras entidades interessadas devido à ?singularidade? do projeto e que o problema da ausência de planilhas de custos já foi há algum tempo resolvido.

? Sobre a questão da planilha, não havia uma assistência com essas características (do Hospital da Criança) para fazer comparações. Depois isso foi resolvido por um sistema chamado Apura SUS. Hoje, sabemos os custos de tudo.

A subsecretária defende a presença de Renilson Rehem no Conselho de Saúde do DF e no grupo de trabalho instalado ano passado. Diz que ele foi convidado por conta da vasta experiência ?nacional e internacional? na área de gestão da Saúde. Segundo ela, parte dos questionamentos levantados pelo Ministério Público Federal na representação enviada ao TCU já havia sido respondida ao Tribunal de Contas do DF, que expediu diversas recomendações.

? É importante que se diga isso. Todas as recomendações para que essas situações não se repitam estão sendo incorporadas para futuras contratações ? afirmou Leila.