Cotidiano

Milton Gonçalves assume a presidência do Teatro Municipal do Rio

Milton Gonçalves - Programa Grandes atores com Milton Gonçalves.jpgRIO ? Dezenove meses após assumir a presidência da Fundação Teatro Municipal do Rio de Janeiro e tentar dinamizar sua gestão ? buscando superar desafios impostos pela crise financeira do estado ?, João Guilherme Ripper foi demitido do cargo anteontem pelo atual secretário de estado de Cultura, André Lazaroni, que nomeou para o posto o ator Milton Gonçalves, de 83 anos, conforme noticiou a coluna de Ancelmo Gois. Segundo Ripper, sua exoneração foi motivada por fatores políticos, e não por divergências de gestão ou artísticas.

? A explicação do secretário foi simples: ele necessitava do cargo de Presidente da Fundação TMRJ para atender a demandas políticas ? diz Ripper, que estava à frente do Municipal desde junho de 2015. ? Ofereceu-me outros cargos em contrapartida, o que recusei, por não concordar com a dissolução da equipe e a transformação do Teatro em moeda de troca. Cheguei de férias na segunda e tive apenas um encontro com o secretário.

Ao assumir a secretaria de estado de Cultura, há duas semanas, André Lazaroni afirmou que a sua chegada significava um ?movimento de continuidade?, o que não aconteceu no que se refere à gestão do mais emblemático equipamento cultural do estado.

? A mudança tem a ver com minha necessidade de poder trabalhar com quem eu confio e conheço, e não com incompetência da gestão anterior ? diz Lazaroni. ? Convidei para uma subsecretaria, mas ele não aceitou.

A nomeação de Gonçalves parece contrariar, também, outra tese defendida por Lazaroni anteriormente. Ao tomar posse, o secretário elogiou os feitos de sua antecessora, Eva Doris, sobretudo por se tratar de ?uma gestão técnica?, e garantiu que seguiria o modelo: ?Não vamos perder isso?. Antes do Municipal, Ripper esteve por 11 anos à frente da Sala Cecília Meirelles, e agora é substituído por Gonçalves, um dos mais importantes atores do país e um artista com trajetória de militância política ? em 1994 se candidatou ao governo do estado do Rio, pelo PMDB ?, mas um nome sem histórico enquanto gestor de equipamentos culturais.

? Em troca de gestão é natural mudar. Quero dar o meu perfil à secretaria, e ele é político e técnico ? diz o secretário. ? Irei trabalhar com pessoas da minha confiança e tecnicamente competentes. E o Milton tem essas qualificações.

Primeiro gestor negro a assumir a presidência do Municipal, Gonçalves completa, em 2017, 60 anos de carreira artística ? a sua estreia foi em 1957, no Teatro de Arena (SP). De lá para cá, acumulou prestígio, reconhecimento e experiência ? fez mais de 40 novelas, 60 filmes e dezenas de peças ?, e agora busca conciliar o que aprendeu ao longo do tempo com os desafios de ser um novato na gestão de equipamentos culturais:

? Comecei a minha carreira no Arena, com alguns dos maiores nomes de teatro do país, e ali me formei. Viajei, conheci o país e aprendi sobre compromisso social e cidadania ? diz o ator. ? Ao lado de Boal e de tantos outros, fazíamos um teatro de resistência, revolucionário, que brigava pelo respeito ao outro, aos trabalhadores e aos mais desprovidos. Então essa é a minha escola artística, e foi nela que também aprendi o que é administrar um teatro, porque também participava de todas essas atividades.

Lazaroni confia na experiência do novo presidente, e diz esperar do Milton gestor ?capacidade de articulação?:

? O Milton conhece o setor, e é comprometido com as artes e com a sociedade ? diz o secretário. ? O que um gestor precisa é ser capaz de articular com a sociedade civil, o governo federal e a inciativa privada. Tenho certeza que o Milton cumprirá muito bem essas funções.

O secretário também espera que Milton dê ao Municipal ?uma cara mais popular? em sua programação:

? O Milton pensa como eu. Quer levar Cultura para a população mais pobre, das comunidades, quer popularizar o Municipal ? diz Lazaroni. ? É preciso atrair mais público, formar novas plateias, embora reconheça os esforços da gestão passada nesse sentido.

Vou estudar, perguntar e conhecer. Se eu não sei, busco informação. Se eu não acerto, mudo e busco o melhor caminho. Sei que tenho qualidades e, sobretudo, paixão pelo Municipal. Para mim o Municipal tem a ver com comunicação, confiança e com amorCiente do desafio de assumir um teatro emblemático mergulhado em crise, e de conciliar a sua gestão com o início das gravações de uma novela (?Pega ladrão?), o ator se mostra confiante:

? Não é fácil gerir o Municipal, mas iremos ficar com o que é bom, e, democraticamente, mudar o necessário. Fui convidado porque o André confia em mim. E eu, como sempre na minha vida, vou estudar, perguntar e conhecer. Se eu não sei, busco informação. Se eu não acerto, mudo e busco o melhor caminho. Sei que tenho qualidades e, sobretudo, paixão pelo Municipal. Para mim o Municipal tem a ver com comunicação, confiança e com amor.

Ao longo do ano de 2016, o Municipal foi duramente atingido pela crise financeira do estado, seu principal mantenedor. A instituição, que abriga Orquestra Sinfônica, Coro e Corpo de Baile, sofreu com redução orçamentária e com o atraso nos repasses do governo. A situação afetou a programação artística, as atividades administrativas e técnicas da casa, além do público. Em julho, os salários dos servidores atrasaram e seus planos de saúde foram suspensos. As turbulências seguiram ao longo do ano, e resultaram numa greve dos artistas e técnicos, que cessaram suas atividades entre 16 e 28 de novembro. Voltaram a trabalhar em dezembro, mas os salários permaneceram em atraso até o começo de fevereiro de 2017.

SERVIDORES RETOMAM ROTINA EM MARÇO

O contexto de crise e de indefinições impediu Ripper de anunciar, em janeiro passado, a programação anual da casa: “Dependendo da situação, poderemos anunciar títulos por trimestre ou por bimestre”, disse à época. “Mas, enquanto a situação dos servidores não for definida, não tenho condição de falar sobre temporada, nem datas, nem títulos”. Os salários de janeiro foram depositados integralmente no último dia 6, e embora o 13º continue em atraso, os servidores retomam o trabalho no próximo dia 6, após o Carnaval. Ripper diz que ainda há restos a pagar nas áreas de manutenção e de serviços “devido ao contingenciamento orçamentário que vem sendo imposto pelo governo desde 2015, com profundo impacto nos custos fixos do Teatro”, diz. Ao mesmo tempo em que deixa o cargo, Ripper deixa como legado a programação de 2017 fechada, entre outros feitos que considera significativos da sua gestão:

? Criamos a Academia de Ópera Bidu Sayão e reformulamos a Escola de Dança Maria Olenewa, além de realizar vários projetos sócio-educativos e de formação plateia ? diz. ? E agora, deixo a programação 2017 pronta, que inclui as óperas ?Jenufa?, de Janacek, e ?Un Ballo in Maschera?, de Verdi, além da estreia carioca do balé ?O Corsário?, apenas no primeiro semestre.