Cotidiano

Miklos A. Vasarhelyi, professor e pesquisador: 'Nunca subestime a dificuldade de mudar o mundo'

“Nasci na Hungria. Sem ser consultado, trouxeram-me para o Brasil, com 1 ano de idade. Meus pais não me ensinaram o português. Diziam que falavam mal o idioma. Então, fui para a escola aos 2 anos. Aprendi, mas ficou um sotaquezinho. Minha formação é em sistemas de informação, e, de certo modo, sigo nessa linha.”

Conte algo que não sei.

Apesar dos avanços, hoje, na área de computadores, apenas 15% da área de auditoria são computadorizadas.

Como foi se meter em contabilidade e auditoria?

Minha formação sempre foi em sistemas de informação. Queria fazer a tese de doutorado sobre inteligência artificial. Mas meu orientador (na University of Southern California) discordou. Então abordei o sistema homem-máquina, o que, no fim das contas, era quase o mesmo. No quarto ano, meu orientador largou a universidade e foi passar um ano na KPMG, uma companhia de auditoria. Ele tinha começado a fazer pesquisa nessa área, e para mim era um novo campo.

E qual era o panorama na área de auditoria computadorizada?

Era incipiente. Eu achava que todos os auditores usavam o computador como ferramenta. Mas não era nada disso. Quase nenhum deles usava. Propus um projeto que foi aprovado no ato. A empresa deu-me o maior sistema de faturamento que possuía, chamado Buy Back, ou seja, de recuperação dos contatos com clientes que a empresa tinha perdido. Pegamos esse sistema e reinventamos tudo.

E como a área de auditoria contínua começou a se espalhar?

Em 1989, comecei a dar palestras sobre auditoria contínua. Para alguns, o assunto representava o futuro. Para outros, tudo aquilo era coisa de lunático. Em 1999, recebi um telefonema da PricewaterhouseCoopers (PwC), que queria criar um comitê de auditoria contínua. Aceitei participar. Esse comitê hoje é o Chartered Professional Accountants Canada (CPA Canada). Mas só nos dois últimos anos é que estou vendo uma auditoria mais contínua sendo adotada. Levou tempo demais. É o que eu digo: nunca subestime a dificuldade de mudar o mundo.

Por que essa demora?

A tecnologia melhorou muito, e o custo baixou bastante. Agora, os métodos analíticos estão estourando. Ou seja, você agora pode fazer muita coisa automaticamente. Fora isso, existe uma enorme pressão para a auditoria mudar. Há quatro meses, fundamos o Rutgers AICPA Data Analytics Research (Radar), com financiamento das quatro maiores empresas de auditoria (Deloitte, PwC, EY e KPMG) e com dois objetivos: desenvolver novas metodologias e tentar mudar os padrões de auditoria para facilitar o trabalho.

Governos também devem passar por auditoria contínua?

Estive no fim de outubro em Brasília, onde recebi o colar do mérito do Tribunal de Contas da União (TCU). Fiquei muito grato e sensibilizado, mas o que eu queria eram dados. E isso o tribunal não me forneceu. Eu gostaria de fazer uma auditoria contínua no TCU, uma instituição imensa, com 3.000 empregados e cheia de recursos. Até hoje não existe um país no mundo que faça auditoria contínua de suas contas. Em agosto, estive na Indonésia, a convite do TCU de lá. E os indonésios dizem que vão implementar auditoria contínua. Mas eu queria mesmo ver isso vingar aqui no Brasil. Depois que saí daqui, sempre senti que tenho uma dividazinha. Gostaria de fazer algo de útil para o país. Mas vai acabar saindo, continuo insistindo. Minha regra é três para um. De cada três tentativas, uma dá certo.