Esportes

?Medalha de sabor social?, diz técnico de Rafaela Silva

RIO – Tutor, professor e até hoje técnico de Rafaela Silva (mas não mais da seleção brasileira), Geraldo Bernardes está nos Jogos Rio-2016 como treinador de dois judocas que integram o Time Olímpico de Refugiados do COI. Depois de assistir o emocionante ouro de sua pupila, ele aguardou que ela passasse por dois corredores de entrevistas para dar um longo abraço que coroa uma paceria de 16 anos. A sensibilidade para acolher a menina briguenta levada à sua escolinha na Cidade de Deus pelos pais cansados das advertências escolares se mantém até hoje, na tocante avaliação da medalha de ouro de Rafaela, feita ainda na arena da vitória.

– Olha, estou treinando os refugiados, veja como são as coisas. Eles vêm são exilados de uma guerra declarada, aberta. A da Rafaela, a que ela sofreu, é a guerra diária da violência pela qual as crianças pobres dessa cidade passam até hoje nas favelas – disse “seu” Geraldo, emocionado. – Esta Olimpíada, com esta medalha dela, para mim tem um sabor social, de amor ao próximo, humanitário. Vi a atleta que começou comigo ser campeã olímpica e ainda conduzi a tocha. Já posso morrer – brincou.

Não que seja uma novidade para Geraldo Bernardes ver um judoca treinador por ele subir ao pódio olímpico. Com mais de 20 anos de serviços prestados à seleção, já passou pelas suas mãos uma enorme lista de medalhistas: Aurélio Miguel, Rogério Sampaio, Henrique Guimarães, Tiago Camilo, Carlos Honorato e Flávio Canto. No caso de Rafaela, que ele começou a treinar aos 8 anos, Geraldo diz que viu, desde o início, um “diamante bruto” para o judô.

– Eu sabia que ela tinha muito futuro no esporte. Só precisava lapidar. Mas a coisa mais importante era lapidar a pessoa para o esporte e para a vida – diz, para em seguida relembrar a infância da campeã na reaelidade bruta da Cidade de Deus. – Ela tinha uma agressividade por vir de comunidade. É aquela coisa “a bola é minha ninguém chuta”, “a pipa é minha”, “Eu pulo muro”, “dou com gesso na cabeça dos outros”. Esta agressividade eu vi desde o início que era muito importante se fosse canalizada para o judô.

Campeã, Rafaela falou repetidas vezes sobre as más lembranças da eliminação e das ofensas de Londres, de quando quase desistiu do esporte, da infância, da família, da importância da torcida nas lutas de ontem e do currículo completo aos 24 anos. Mas parecia respirar mais fundo e procurar alguma calma quando era perguntada sobre Geraldo Bernardes.

– Devo tudo ao professor Geraldo, tudo. Foi ele que acreditou, que me incentivou, que me sustentou mesmo. Agora, acho que tudo que ele fez por mim nesses 16 anos eu posso pagar com essa medalha de hoje – brincou. – Eu não sei o que seria da minha vida se eu não conhecesse o esporte, e o professor Geraldo é o responsável por tudo o que aconteceu desde então.

Se tiver tempo na agenda de nova estrela do esporte nacional hoje, Rafaela pretende voltar à Arena Carioca 2 até sexta-feira para torcer pelos outros judocas brasileiros.

– Espero que esta minha medalha abra as portas para outras do Brasil – disse, em referência aos dois primeiros dias ruins da seleção brasileira no tatame olímpico.