Cotidiano

Maurizio Bernardini, sorveteiro: 'Sorvete é felicidade, mas no Brasil é artigo de luxo'

“Tenho 47 anos, nasci na Bolonha, vivo na cidade de Minérbio com meu companheiro com quem passo a maior parte do tempo na Riviera Romagnola, o balneário mais divertido da Itália. Há 20 anos frequento o Brasil, comecei pelo Nordeste. Agora, um ano sim e outro não, venho visitar o Rio e tomar ‘gelato’ carioca.”

Conte algo que não sei.

São diversas correntes teóricas, mas o primeiro sorvete veio da neve com xarope de fruta, batidos com gelo e sal, que conserva a temperatura. A neve derretida foi para o balde com gelo, batendo-se para incorporar ar, emulsionar e dar volume.

Alguns atribuem a origem a Nero, que consumia frutas geladas com neve trazida por escravos. Outros dizem que foram os chineses, que repassaram a mesma técnica aos árabes. Qual é a origem afinal?

A Italiana, claro (risos). Mas tem aquela briga. Marco Polo foi para China e voltou. Ok, mas bem antes disso os romanos já consumiam o produto.

Qual é o melhor sorvete que você já tomou na vida?

O melhor sorvete do mundo está na Itália, mas tem os piores lá também. Um é inesquecível, o de sabaião, que é ovo batido com açúcar, muito típico em nossa região, preparado com vinho marsala, um licor da Sicília.

E no Brasil?

O da fruta brasileira, manga, açaí, jaca, caju? Como todo gringo, quem conhece as frutas no Brasil se apaixona.

Ser o segundo melhor sorveteiro da Itália é como ganhar um Oscar?

Sim, é como ganhar um Oscar. É um trabalho artesanal. Com a globalização, chefs do mundo inteiro se unem cada vez mais em prol de uma gastronomia mais limpa. Sou um dos pioneiros nesta batalha, porque a demanda por sorvete tem crescido.

Qual é o sorvete ideal?

Aquele feito com produtos de pequenos produtores, do avelã ao pistache, e tem que ser tudo orgânico, totalmente natural, nada químico, como no passado. O sorvete ideal é uma mistura de leite fresco e cana de açúcar orgânica. Leite vegano, à base de água, pistache e amêndoa.

Encontrou alguma surpresa boa para a saúde?

Sim, uma raiz japonesa que faz bem ao intestino. Há dez anos, por exemplo, utilizo açúcar mascavo brasileiro e comecei a usar açúcar de coco também. É original de Bali: os caras colocam um canudo no coco, que fica pingando.

Bolonha está para a produção de sorvete assim como Nápoles para as pizzas?

Na Bolonha estão as melhores fábricas de sorvete. E tudo à moda antiga, inclusive o creme, feito de gelo e gordura.

E o que defendem os puristas, como você?

Não deveria ter tradução para a palavra gelato. Gelato e sorvete são duas coisas diferentes. É como o champanhe, deveriam ter sua denominação de origem.

E quanto à produção?

O certo é deixar o sorvete escondido por causa da luz e do contato com o ar, para não criar cristais de gelo.

O que houve com a famosa casquinha? Anda sumida.

Há cerca de dez anos vem sendo abandonada. É muita gordura e açúcar, e gordura hidrogenada para piorar.

Os italianos talvez estejam à frente em valorizar o gelato como alimento, não?

O gelato é um alimento completo. Provo cada sorvete que faço, como uma joia. Sorvete é felicidade. Acho que este deveria ser um alimento para todos, mas no Brasil ainda é um artigo de luxo. Na Europa, é o básico da alimentação.