Cotidiano

Mateus Aleluia traz ao Rio seu concerto afro-barroco

RIO – “O tempo é o que o próprio tempo determina”, explica Mateus Aleluia, uma figura para lá de rara no Rio de Janeiro. Pois nesta quarta-feira, o cantor baiano, que fez parte do grupo Os Tincoãs, se apresenta no Sesc Copacabana, em uma ocasião igualmente rara: a de lançamento de mais um álbum solo, “Fogueira doce”.

Aos 73 anos, Mateus lançou apenas quatro LPs com Os Tincoãs, conjunto vocal que representou como poucos a música afro-baiana do cambomblé, e que teve uma de suas músicas, “Cordeiro de Nanã”, gravada por João Gilberto no disco “Brasil”. “Fogueira doce” é, tão somente, o segundo CD solo do cantor. Sua faixa-título nasceu de um desses momentos especiais, de quando ele vivia em Luanda e viu o sol nascer com inigualável beleza.

? Aquele era um tempo de guerra fratricida em Angola, você nunca pensaria em contemplação. Mas aquele sol não tinha nada a ver com aquilo, era uma fogueira que queimava e só fazia aquecer. E que despertava algo bom, que parecia estar esquecido e precisava ser exercitado. Era algo muito significativo ? relata.

Mateus Aleluia e Dadinho (seu parceiro nos Tincoãs, falecido em 2003) saíram do Brasil em 1983, com Martinho da Vila e Luiz Carlos da Vila, numa missão cultural para Angola. O cantor seguiria morando no país pelos 19 anos seguintes.

? Para mim, esse tempo lá significou muito. Os Tincoãs sempre se basearam no lado ritualístico da ancestralidade religiosa africana e procuravam saber a origem daqueles cânticos, vindos das várias nações da África e que aqui se amalgamaram ? conta ele. ? Para nós, Luanda lá foi uma Xangrilá. Os povos do Congo e de Angola foram os primeiros a vir para o Brasil. Lá convivemos com músicos que nos pareciam inatingíveis.

De volta ao Brasil, Mateus participou do filme “O milagre do Candeal” (documnetário do espanhol Fernando Trueba sobre o sincretismo religioso na Bahia) e seguiu com seu trabalho musical. Em 2010, lançou o primeiro disco solo. Agora, ele volta com “Fogueira doce”, no qual teve o auxílio do produtor Alê Siqueira, que já trabalhou com Marisa Monte, Elza Soares, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. O disco foi gravado com vários músicos, entre eles os filhos do cantor Mateus (trompete) e Fabiana (voz e piano):

? Foi um trabalho mais rebuscado em nível técnico, e o Alê teve sensibilidade de contribuir com uma visão de estúdio moderna, mas sem tirar nossas características ? diz ele, que vem ao Rio acompanhado pelo filho e por Alexandre Vieira (voz, baixos acústico e elétrico), Alex Mesquita (guitarra e violão) e Luisinho do Jejê (percussão).

Em músicas como “Fogueira doce”, “Eu vi Obatalá”, “Bahia..bate o tambor” (só de Mateus), “Obatotô” e “Filha! Diga o que vê?” (parceria com Dadinho) e ?Convênio no Orum” (com Carlinhos Brown), o cantor dá continuidade a suas misturas das heranças do candomblé e da música barroca católica:

? Por mais afro que sejamos, temos muito da cultura barroca. Nos navios negreiros, viemos embalados tanto pelos nossos cânticos quanto pelos dos jesuitas. Influenciamos e fomos influenciados.

Por falar nisso, Mateus tem acompanhado com atenção as discussões sobre apropriação cultural que vieram tomando as redes sociais nas últimas semanas. E tem o seu recado:

? O brasileiro é uma mistura, é possível que tudo isso seja mais uma questão política do que outra coisa. Mas acredito que é uma questão válida, é preciso estar fora da zona de conforto para que, da discussão, venha uma evolução.

A alegria de Mateus, hoje, é ver o reconhecimento ao seu trabalho (foi convidado para ser o mestre de cerimônias da mais recente edição do PercPan, que aconteceu em janeiro em Salvador) e acompanhar toda a nova geração influenciada pelo que fez nos anos 1970 com Os Tincoãs.

? Éramos como lobos solitários, trazendo a cultura do rito. Hoje, é muito gratificante quando vemos músicos do Rio, de São Paulo e da Bahia fazendo releituras dos cânticos e procurando um caminho dentro desse viés afro ? conta. ? É a certeza de que o que fizemos valeu a pena. A luta continua e a vitória é certa.

Mateus Aleluia lança o CD “Fogueira doce”

Quando: Quarta-feira, às 20h30m.

Onde: Arena do Sesc Copacabana ? Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana (2547-0156).

Quanto: R$ 6 (associado do Sesc), R$ 12 (meia) e R$ 25.

Classificação: Livre.