Cotidiano

Marqueteiros de Doria e Haddad dizem que sorte e falta de ataques definiram eleição em SP

marqueteiro1.jpg SÃO PAULO – Ambos são relativamente desconhecidos do leitor acostumado com o noticiário político. Com a saída de cena dos chamados supermarqueteiros, Lula Guimarães e Angela Chaves assumiram dois postos diametralmente opostos. Ele, o de transformar um neófito em prefeito de São Paulo. Ela, o de não deixar a prefeitura mudar de mãos. Por trás, respectivamente, das campanhas de João Doria e Fernando Haddad, os dois trabalharam com uma situação em comum: o curioso voto do eleitor paulistano.

Para Guimarães, mais conhecido como Lula, a vitória do tucano foi resultado, além do clima antipetista, de uma campanha bem organizada. Doria se apresentou como gestor, segundo ele como o antipolítico com um jeito novo de governar.

– A campanha conseguiu cometer pouco erros e comunicar de forma leve e bem-humorada as qualidade do João. A expressão ?João Trabalhador? foi um excelente mote que amalgamou tudo isso.

A sorte, admite ele, também ajudou Doria, estreante em campanhas eleitorais.

– Ela nos ajudou ao deixar que o João não virasse líder da disputa muito rapidamente. Isso o poupou de ataques dos adversários. Quando ele virou líder, o crescimento dele havia sido tão maior que os demais candidatos passaram a brigar entre si para ir para o segundo turno. Isso foi sorte.

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Já Angela acredita que Doria deveria ter sido atacado, no debate da Rede Globo, pelos outros dois candidatos, Celso Russomanno (PRB) e Marta (PMDB), que estavam mais bem colocados na pesquisa, já que até a semana final da disputa Haddad estava em quarto lugar.

– Fico pensando que foi uma leitura estratégica estranha. Marta e Russomanno não tinham porque bater no Haddad. Bateram em quem estava atrás. Não entendi isso. Não entendi porquê ficaram batendo no Haddad e deixaram o Doria passar livre, leve e solto. Não cabia a nós que estávamos em quarto confrontar o Doria – afirma Angela, frisando que ?bater? no linguajar do marketing político quer dizer ‘confrontar’.

Para Angela, o inferno de Haddad não foi o desgaste nacional do PT, mas uma questão bem mais corriqueira: a redução do limite de velocidades nas principais ruas da cidade. A medida foi alvo de ataques de todos os adversários. Haddad foi acusado de ter implantado na cidade uma indústria da multa .

– Teve o desgaste do PT, mas acredito tenha sido mais determinante essa história da velocidade. Tanto é que o Haddad passou a Marta e -Russomanno – avaliou Angela, que nega ter excluído os símbolos do PT da propaganda de Haddad.

Sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chegou a gravar um vídeo para a campanha do prefeito de São Paulo que não foi usado, a responsável pela comunicação petista diz:

– O próprio Lula sempre nos deixou muito à vontade. Ele não estava insistindo. Qual era o sentido de colocar o Lula se os padrinhos dos candidatos não estavam em discussão? Não tinha sentido colocar o Lula se o Doria não estava colocando o (Geraldo) Alckmin e a Marta o (Michel) Temer.

Enquanto boa parte do marketing eleitoral do prefeito estava voltado aos feitos na prefeitura, a equipe de Doria se concentrava em atenuar a imagem de empresário milionário e elitista do tucano. Surgiu, daí, o mote “João Trabalhador”, que emplacou nas propagandas no rádio e na TV. Lula não considera que tenha havido exagero nisso nem nas publicidades que diziam que o candidato chegou a quase passar fome quando o pai, deputado federal, foi exilado pela ditadura militar.

– Tudo que foi dito é verdade. Para quem tinha um certo conforto e de uma hora para outra a vida dá uma guinada para ter tudo racionado na mesa, o trauma é grande. Ele viu ainda criança, várias vezes, a mãe chorando ao levar as joias no prego para conseguir dinheiro para comprar comida. Não vendi gato por lebre – afirma Lula, que fechou o trabalho com Doria por R$ 8 milhões, depois do candidato muito pechinchar.

– Ele é bem muquirana (risos). A gente tinha uma piada interna na campanha que a maior felicidade do João, ao ganhar no primeiro turno, foi não ter que pagar o segundo turno – confidenciou o marqueteiro.

Sobre as avaliações pós-eleitoral de que o publicitário tinha nas mãos o candidato mais fácil da eleição, Lula discorda:

– Eu diria que ele era o candidato mais adequado para o momento, mas não era o mais fácil de vender. Ele também tinha vulnerabilidades.

Angela avalia que o tucano se beneficiou por ter uma campanha mais estruturada e por não ter sido atacado.

– Ele não foi questionado. Foi passando com aquele mantra de não sou político, sou gestor.

Já Lula não acredita que o resultado eleitoral poderia ser diferente se a campanha tivessse sido um pouco mais longa.

– Mais tempo só retardaria o fenômeno que vimos de crescimento do João. O eleitor decidiu seu voto na última semana e, se houvesse mais duas semanas, ele continuaria decidindo na última. O João foi muito beneficiado por um voto útil do eleitor do Celso Russomanno (PRB) que, diante do crescimento do Haddad, reagiu.

Em tempos em que marqueteiro virou uma função não muito bem vista no Brasil, Lula e Angela não gostam do rótulo.

-A nova lei (que proibiu as doações de empresas e reduziu as campanhas) provou que é possível fazer campanha com recursos menores do que estávamos acostumados. Acho que nenhum trabalho em nenhuma área vale o que o João Santana (marqueteiro do PT que foi preso na Lava-Jato) recebeu. É uma quantia estúpida, estapafúrdia. Defendo que, para as próximas eleições, não seja nem tanto ao céu nem tanto à terra – diz o publicitário dos tucanos este ano.

Em 2012, Lula trabalhou no marketing da campanha presidencial da ex-senadora Marina Silva, que também se apresentava como a nova política assim como Doria na eleição paulistana. Dois anos depois, Lula avalia que a derrota da ex-cliente deu-se mais pela falta de estrutura de campanha do que de discurso.

– Havia pouco tempo de TV e o dinheiro era curto. Foi uma batalha desproporcional na comunicação com os demais candidatos. Também acho que ela cometeu alguns erros ao não fazer concessões políticas. Com o Doria, foi o oposto.

Angela, por sua vez, acredita que Haddad será reconhecido no futuro pelas mudanças que implantou na cidade. Para ela, houve falha, reconhecida pelo prefeito, na comunicação da gestão petista em São Paulo, o que dificultou a campanha.