Cotidiano

Maria Elena Boschi: 'Político não deve ter medo do fracasso'

italiaministra.jpg

SÃO PAULO – Após aprovar no Parlamento a reforma constitucional que altera o funcionamento do Legislativo e a organização do Estado, o governo da Itália poderia até promulgar as alterações, mas optou por marcar um referendo popular, que será realizado em 4 de dezembro. Responsável pela proposta, a ministra das Reformas Constitucionais da Itália Maria Elena Boschi justifica a decisão dizendo que uma mudança tão grande não poderia ser feita apenas com a aprovação de uma maioria política temporária. Segundo ela, os governos não podem ter medo de fracassar diante do povo, como ocorreu no Reino Unido, onde os britânicos votaram contra a proposta do primeiro-ministro David Cameron de manter a nação na União Europeia.

Durante palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, no centro de São Paulo, na manhã desta sexta-feira, a ministra Maria Elena disse que o fracasso da reforma constitucional pode significar o fim de um processo de mudanças que teve início a dois anos e meio, quando assumiu o primeiro-ministro Mateo Renzi.

– É uma escolha tão importante que acho justo que todos participem. É melhor que não seja uma escolha de uma maioria momentânea no Congresso – afirma a ministra Maria Elena. – Pode parecer uma visão romântica, mas não podemos ter medo do que os cidadãos vão decidir. Não podemos ter medo da democracia. Quem faz política não pode ter medo de fracassar. Fracassar não é vergonha porque tentamos fazer melhor.

A reforma da Constituição italiana vem sendo discutida desde os anos 1980. Com um mês de governo, Renzi apresentou a atual proposta à Câmara dos Deputados. Após dois anos de discussão e seis votações, o texto final foi aprovado e encaminhado para o referendo, em que a população escolherá se é a favor ou contra as mudanças. Uma das alterações afeta o Senado, que não poderá mais dar voto de desconfiança ao governo, o que causa sua dissolução. O número de senadores cairia de 330 para 100, eleitos indiretamente pela Câmara para representar as regiões – hoje eles são eleitos de forma direta pelo povo. A organização de regiões em comunas, províncias e estados também seria afetada, com a extinção das províncias.

Maria Elena conta que, para conseguir aprovar o projeto, precisou negociar o apoio de parlamentares da oposição. As mudanças tiveram o apoio de 58% da Câmara e do Senado, o que torna o referendo facultativo. Mesmo se tivesse a aprovação de dois terços dos parlamentares, segundo a ministra, o governo marcaria o referendo. Ela lembra que as alterações na Constituição estão dentro de um contexto de uma série de reformas propostas pelo governo Renzi, como a do Judiciário, do Trabalho, das Eleições e de Direitos Civis, que aprovou, por exemplo, a união de pessoas do mesmo sexo.

– Se a população disser “não” à reforma será bloqueado um processo de transformação da Itália. Mas se votar “sim” estará escolhendo um jeito melhor de enfrentar os desafios que surgirão daqui pra frente.

Embora evite comparações com a votação do Brexit, quando a população do Reino Unido votou pela saída da nação da União Europeia, Maria Elena lembra que muitos eleitores britânicos admitiram que não conheciam a proposta muito bem e que um dos desafios do governo italiano é mostrar ao povo o que considera serem vantagens da reforma. Pesquisas citadas pela ministra mostram que quase metade dos italianos desconhece o teor da reforma.

– É uma reforma que tem a ver com o que a gente espera do país para as próximas décadas, não tem a ver com o debate político, o partido A ou B. Se a população votar “não” vai ficar tudo como está. Dificilmente o Parlamento vai voltar a discutir isso em muitos anos.

A ministra defendeu, ainda, o fortalecimento da União Europeia. Segundo ela, apenas caso se mantenham juntos os países europeus conseguirão enfrentar os desafios do terrorismo internacional, conseguirão acolher os fluxos de migrantes que chegam ao continente e terão condições de enfrentar a crise econômica que os afeta internamente.