Cotidiano

Lukas Graham: dono de um dos hits pop do ano e fã de Mr. Catra

RIO ? No fim de junho, quando o Red Hot Chili Peppers fazia no Roskilde, maior festival de música da Dinamarca e um dos mais badalados do verão europeu, uma das apresentações da turnê de seu mais recente disco, ?The getaway?, o baixista Flea assumiu o microfone para mandar um ?salve? para o povo da Christiania. Antiga base militar no meio da capital Copenhague, o bairro de aproximadamente mil habitantes é, desde 1971, uma comunidade autoproclamada anarquista ? seus moradores não aceitam incentivo financeiro ou influência do governo dinamarquês, mesmo que isso signifique ter uma qualidade de vida consideravelmente inferior à do restante do país.

Em 1989, um ano antes de Christiania promulgar a lei especial que a rege (que libera o cultivo e a venda de maconha, mas evita o tráfico de drogas pesadas, por exemplo), nascia por lá Lukas Graham Forchhammer, o homem por trás de um dos maiores sucessos da música pop mundial em 2016: a balada soul-pop ?7 years?, muito tocada nas rádios brasileiras e verdadeiro fenômeno nos serviços de streaming ? são mais de 500 milhões de reproduções no Spotify e outras 300 milhões de visualizações de seu clipe no YouTube.

? Em Christiania, nós temos nosso próprio sistema de coleta de lixo, nosso mercado de construção civil (ninguém é proprietário de imóvel; quando você deixa sua casa, a devolve à comunidade), nossa creche, escola com cursos extracurriculares, clubes para as crianças, bares, boates, casas de show… ? conta Graham, ao telefone. ? Ao mesmo tempo, não temos força policial e nem iluminação urbana apropriada. Do que conheci, é o único lugar na Europa que realmente se parece com uma favela brasileira. Lukas Graham – 7 Years [OFFICIAL MUSIC VIDEO]

A comparação com as comunidades daqui tem certo grau de embasamento. Há sete anos, o dinamarquês passou cinco meses morando em Constitución, bairro de classe média baixa em Buenos Aires, e aproveitou para passar um tempinho no Rio, onde ficou hospedado em um apartamento na Rua Paula Freitas, em Copacabana. Por aqui, saiu algumas vezes com os funkeiros Mr. Catra e MC Primo (parceiro de Catra em ?Essa mina tá tarada?), de quem virou fã (?não entendo direito a letra, mas sei que chamam de funk proibidão?, diz, forçando o sotaque), foi a festas na Lapa, conheceu bailes funk e aprendeu a dançar forró (?minha namorada adorou o fato de eu ter voltado com algum gingado brasileiro para a Escandinávia?).

Músico desde a infância, quando fez parte de um coral que chegou a se apresentar em cidades como Rio, São Paulo, Salvador, Brasília e Foz do Iguaçu, Graham voltou a Christiania, onde ainda mora (ele apresenta a região no clipe da faixa “Mama said”; veja abaixo), em 2010, e focou de vez na carreira artística. Uniu forças com Stefan Forrest e Morten Ristorp, seus companheiros no grupo de composição Future Animal, e convocou o baterista Mark Falgren, o baixista Magnus Larsson e o próprio Ristorp, que atua como tecladista, para formar a banda Lukas Graham (isso mesmo, a banda tem o nome de seu cantor e compositor). Em 2012, já tinha lançado seu homônimo disco de estreia, que chegou a liderar as paradas dinamarquesas. No ano seguinte, assinou contrato com a Warner Music, que fez, em abril de 2016, o lançamento mundial de seu segundo álbum, também chamado de ?Lukas Graham? (ou ?o álbum azul?, como costuma se referir). O estrondoso e inesperado sucesso de ?7 years? virou a vida do dinamarquês de 27 anos de cabeça para baixo.

? Ainda é tudo muito intenso para mim. Estou triste pela morte recente do meu pai (que o inspirou a escrever seu hit), feliz por estar prestes a me tornar um pai (espera seu primeiro filho para setembro), triste por ter que viajar pelo mundo, feliz por poder viajar o mundo e tocar minhas músicas em diversos lugares, triste por ver minha namorada, minha família e meus amigos menos do que gostaria. Mas, no meio disso tudo, estou muito, muito contente. Tenho a oportunidade de viver à custa do que gosto de fazer ? comemora o carismático músico, que também chama a atenção pelo bom humor que leva aos palcos (e às entrevistas). Lukas Graham – Mama Said [OFFICIAL MUSIC VIDEO]

Graham é, definitivamente, uma figura peculiar na indústria musical (da qual é um grande crítico). Além de toda a bagagem cultural que acumulou em sua trajetória ainda recente, ele é um dinamarquês, branco, que faz música pop com influência clara da black music americana (r&b, soul e funk) e com letras que são verdadeiras crônicas do cotidiano, que misturam ficção e acontecimentos reais.

? Sempre tenho problemas ao citar minhas referências. É tudo desde James Brown, Al Green, Gregory Isaacs, Dr. Dre, Tupac, Notorious B.I.G., Michael Jackson, Beatles, Rolling Stones, The Who, The Kinks… Entende? É música clássica, folk, rap… ? enumera. ? O que acho que torna nossa música genuinamente especial é exatamente o fato de pegarmos o que gostamos e misturarmos tudo, sem preocupação com rótulos. E vou te falar que já sofri preconceito pelo tipo de música que faço. Muitas pessoas já vieram me falar que ficaram surpresas ao descobrir que eu era branco e que todos os músicos da banda também eram. No fim das contas, música é sobre romper barreiras.

Leia a entrevista na íntegra:

Como você reage ao sucesso estrondoso que se tornou “7 years”?

Acho que é muito difícil esperar algo assim (risos). Eu sabia que a música era boa, mas eu não estava preparada para que fosse tão grande em todo o mundo.

Na letra, você canta que “logo terá 60 anos”. O que você se imagina fazendo nessa idade?

Eu provavelmente ainda vou querer estar cantando e escrevendo músicas. Quero estar sentado em algum lugar, no sol, bebendo um bom vinho, comendo um bom pão com um bom azeite, enquanto meus filhos e netos estarão correndo pelos meus pés e me irritando. Eu adoraria que meus amigos me visitassem e ficassem sempre por perto, e gostaria de ainda ser um cara normal, comum, apesar de saber que com todo esse sucesso provavelmente vai ser difícil.

Isso te assusta de alguma maneira?

É claro. Eu tenho muito medo de tudo o que está acontecendo agora, mas coragem não significa não ter medo, significa controlar seus medos e estar atento a o que você está fazendo naquele momento de medo. Eu acho que saber que você está passando por uma transição perigosa, com muitas mudanças na sua vida, não é algo ruim. É algo realmente bom ter uma perspectiva dos perigos que posso encontrar no caminho.

Your pop songs are surrounded by soul and funk influences. When did you start studying this genres and which artists did you listen to create your sound style?

Você faz música pop cercada de influências da black music americana. Que artistas escutou para criar o estilo de seu som?

ÉSempre tenho problemas ao citar minhas referências. É tudo desde James Brown, Al Green, Gregory Isaacs, Dr. Dre, Tupac, Notorious B.I.G., Michael Jackson, Beatles, Rolling Stones, The Who, The Kinks… Entende? É música clássica, folk, rap… O que acho que torna nossa música genuinamente especial é exatamente o fato de pegarmos o que gostamos e misturarmos tudo, sem preocupação com rótulos. Se gostamos de algo, mantemos, se não, jogamos fora. Tentamos algo bacana, algo novo, especial, diferente, e acho que o mantra que eu e meus companheiros trazemos quando escrevemos música é “contanto que não seja chato ou entediante”. Tem que ser especial e, acima de tudo, divertido.

“Lukas Graham”, de Lukas Graham

Você chegou a sofrer algum tipo de preconceito por ser um cara branco, dinamarquês, e ter essa clara aproximação com o soul e o r & b?

Sim. Muitas pessoas já vieram me falar que ficaram surpresos ao descobrirem que eu era branco e que todos os músicos da banda também eram. No fim das contas, música sobre romper barreiras. Agora, no mundo, todos estão falando que temos que lutar contra o racismo e a desigualdade em todos os lugares, mas, no fim das contas, as pessoas são preconceituosas com gays, com negros… Até dentro dessa indústria. Acho que deveriamos tentar praticar o não julgamento, tentar não julgar ninguém e talvez consigamos ser um pouco mais felizes (risos).

Você fala muito sobre sua mãe nas suas músicas. Em seu EP ao vivo “Spotify Session”, você fala rapidamente sobre a reação dela ao descobrir que era um personagem das composições. Agora que suas músicas tocam no mundo todo, ela aceita melhor?

Minha mãe é uma mulher muito forte e não precisa que eu tenha sucesso, ela só quer que eu seja feliz. E, sim, ela esteve na turnê comigo nos Estados Unidos durante alguns shows e a reação dela ao ver os americanos cantando “Mama said” foi incrível. Ela pôde ver que isso é real, que em todo o mundo as pessoas estão cantando as minhas músicas e gostando delas. Foi lindo poder dar a minha mãe esse tipo de experiência, levá-la aos Estados Unidos pela primeira vez na vida dela.

Aliás, acho “Mama said” melhor do que “7 years”…

Pois é! Todo mundo me pergunta se estou apreensivo quanto ao sucesso do meu próximo single e eu sempre digo “não, ‘7 years’ sequer é a melhor música do disco” (risos). Por falar nisso, “Mama said” é o próximo single.

Sua vida mudou bastante neste último ano, certo? Como você está lidando com esse novo momento, tocando em grandes festivais pelo mundo, dando entrevistas, enfim, sob os holofotes?

Ainda é tudo muito intenso para mim. Estou triste pela morte recente do meu pai (que o inspirou a escrever seu hit), feliz por estar prestes a me tornar um pai (espera seu primeiro filho para setembro), triste por ter que viajar pelo mundo, feliz por poder viajar o mundo e tocar minhas músicas em diversos lugares, triste por ver minha namorada, minha família e meus amigos menos do que gostaria. Mas, no meio disso tudo, estou muito, muito contente. Tenho a oportunidade de viver à custa do que gosto de fazer. Mas claro que é cansativo. É difícil viajar pelo mundo, ter que ficar dando entrevistas o tempo todo. Essa é a quarta ou quinta entrevista só hoje e eu achava que teria um dia de folga, mas meu empresário falou “sem chances” (risos). Lukas Graham – Drunk In the Morning (LIVE) [EXTRAS]

Qual é a história por trás de “7 years”?

“7 years” foi inspirada em parte, obviamente, na minha vida e a outra parte no que eu gostaria que minha vida fosse. Meio ficção e meio realidade. Então, fizemos essa canção meio folclórica, meio antiquada, mais rítmica. Escrevi a música em apenas três horas e meia e claro que a morte do meu pai tomou grande parte da composição, mas minhas esperanças e sonhos por estar perto de me tornar um pai também estão nesse meio.

Você morou na Argentina por alguns meses, certo? Como você avalia a vida cultural aqui na América do Sul?

Sim, morei em Constitución por cinco meses, sete anos atrás. Foi fantástico. Eu gosto da ideia de que tudo é sobre comida, música ou bebidas. Isso é perfeito para mim. Eu gostei das praias do Brasil, da parrilla da Argentina, da música… Também fiquei um tempo no Rio, onde me hospedei na Rua Paula Freitas, em Copacabana, perto da Avenida Atlântica, e eu costumava sair para tentar aprender a dançar forró (risos). Minha namorada adorou que eu voltei com algum gingado brasileiro para a Escandinávia. É algo que os europeus definitivamente deveriam tentar aprender.

Fale um pouco mais sobre a Christiania, região onde você nasceu e cresceu. Muita gente por aqui não conhece o lugar…

É o único lugar na Europa que realmente parece uma favela. É uma antiga base militar que foi abandonada em 1970 e ocupada em 1971. Então, na comunidade nós temos nossa própria loja de conveniência, nossa própria creche, cursos extracurriculares, clubes para as crianças, mercado de construção civil, bares, boates, casas de shows… Mas não temos forças policias, nem iluminação urbana. Temos nosso próprio sistema de coleta de lixo. Além disso, ninguém é proprietário de imóvel nenhum. Quando você deixa sua casa, você a devolve à comunidade.

Como é a questão da segurança?

Tem seus altos e baixos. No momento, a comunidade passa por uma crise de segurança, um aumento nos crimes, muitas gangues estão tentando entrar porque por mais de 20 anos não teve nenhuma gangue nem drogas pesadas por aqui. A vizinhança eliminava isso. E, agora, por conta de uma turbulência em nosso sistema político, esses criminosos estão tentando garantir seu espaço. Mas, como deve ser para os residentes de favelas do Rio, tem seus altos e baixos. Você tem bons anos e outros ruins. Lukas Graham – 7 Years (KROQ Sessions)

Em entrevista ao portal “G1” você revelou que é fã do Mr. Catra, certo? Como ficou sabendo das músicas dele?

Sou sim. Obviamente, eu não consigo entender muito bem o que ele canta, mas eu estive com o Catra algumas vezes, assim como com o MC Primo (parceiro de Catra em “Essa mina tá tarada”) e os outros caras, e eles são pessoas realmente bacanas. Quando comecei a traduzir as letras, descobri o que era o tal funk proibidão (risos). Algumas são bem chocantes. Enquanto estivemos no Rio, fomos a uma festa de rua na Lapa, a bailes funks… O que eu gosto na música brasileira é que, na real, eu não preciso entender a letra, porque está tudo no ritmo, de qualquer maneira. Vá para a pista, se mexa, dance, beba alguns drinks e todo mundo vai dançar junto. Não é como se você precisasse de um parceiro. Apenas dance, e isso é incrível. Eu entendi a força cultural da música de vocês assim.

Algum plano para voltar ao Brasil com sua turnê?

Eu realmente quero voltar ao Brasil e ter a maior ressaca da minha vida depois de beber dezenas de capirinhas (risos). Pode admitir, a cachaça dá uma puta ressaca, vai. Mas, no momento, não temos qualquer plano de ir para o Brasil porque estamos com a agenda muito cheia e estou esperando meu primeiro filho para setembro. Então, terei que tirar um tempo de folga para estar com a minha família e com o neném. Mas, sim, assim que possível eu quero ir e tocar em alguns festivais na praia, além de visitar todos os lugares que estive quando era mais novo. Quero ir a Salvador, Recife, ver aqueles tubarões, nadar no Oceano Atlântico e ser livre. É o que sinto quando estou no Brasil. Sinto que tudo é possível.