Cotidiano

Lindeiros criam frentes para sensibilizar governo para a manutenção dos royalties

Possibilidade do fim dos royalties pagos por Itaipu preocupa municípios beira-lago Foto: Divulgação

Mercedes – A cinco anos de o Tratado de Itaipu chegar ao fim, em abril de 2023, alguns pontos colocam em alerta os municípios da região que recebem royalties da binacional. Segundo a usina, um ponto importante previsto no tratado é a revisão do Anexo C, que trata da parte financeira do empreendimento. A tarifa de Itaipu é calculada pelo custo e um componente importante nessa conta é o pagamento da dívida (de aproximadamente US$ 27 bilhões) contraída para construção da usina. Esse financiamento, cujo pagamento equivale a cerca de dois terços da tarifa, estará totalmente amortizado em 2023. Com isso, mantidas as condições atuais, cada país terá a seu dispor US$ 1 bilhão por ano para investimentos diretos.

A discussão sobre as novas bases financeiras da sociedade entre Brasil e Paraguai na empresa caberá aos governos dos dois países. Muito provavelmente as negociações se darão entre o recém-eleito Mario Abdo Benítez e o vencedor da eleição em outubro, que definirá o novo presidente brasileiro. Ocorre que nesse mesmo período chegaria ao fim o pagamento de royalties aos municípios lindeiros.

E este é um dos motivos que colocam os membros da diretoria do Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu já em articulação para iniciar um processo intenso de sensibilização do próximo governo federal para a manutenção – a partir de uma possível prorrogação em igual período – do Anexo C do Tratado assinado entre Brasil e Paraguai para os royalties pagos como forma de compensação pelo alagamento das áreas atingidas com a criação da hidrelétrica de Itaipu.

Ontem o tratado completou 45 anos e dados da própria Itaipu Binacional mantêm o alerta entre os gestores. A compensação financeira, que tem ultrapassado dos R$ 45 milhões por mês a 16 municípios da Costa Oeste, sendo 15 do Paraná e um do Mato Grosso do Sul, estará concluída daqui a cinco anos.

A presidente do Conselho e prefeita de Mercedes, Cleci Loffi, afirma que os gestores haviam se reunido com o ex-presidente da binacional Luiz Fernando Vianna para tratar o assunto. “Apesar de uma sinalização positiva da própria Itaipu [no encontro com Vianna], sabemos que essa é uma decisão que compete à União, é uma decisão de governo federal. Então será o próximo presidente quem vai definir isso e precisamos unir forças para que possamos manter o repasse ou pelo menos renovarmos o tratado por igual período, tudo dentro de um processo legal”, afirma.

Para Cleci, o fim do repasse de royalties não decretaria a falência dos municípios beira-lago, mas tornaria a vida financeira de praticamente todos muito difícil. “Isso afetaria principalmente a cobertura da folha de pagamento, atendimentos à saúde [atenção básica], à educação e à assistência social que também seriam fortemente influenciados”, reforça.

Além desses aspectos, a presidente do Conselho completa que as áreas inundadas não serão repostas e isso por si só gera argumentos suficientes para a perpetuidade da reparação. “Recentemente ganhamos uma disputa para aumento do valor dos royalties no Brasil, mas essa foi uma luta travada ao lado de 800 municípios brasileiros. No caso dos lindeiros da Itaipu, já estamos nos articulando para estarmos bem amparados [prefeitos, deputados e senadores] para que nos auxiliem nessa sensibilização e tratativas com o governo federal. Até porque há uma possibilidade de todos os municípios brasileiros pedirem rateio dos royalties de Itaipu, a exemplo da discussão feita com os royalties do pré-sal, mas são situações bem distintas e que precisam ser analisadas”, antecipa.

Itaipu fala em sobra de US$ 1 bilhão a partir de 2023

Questionada pela reportagem sobre o fim do pagamento de royalties em 2023, Itaipu Binacional respondeu que eles “não vão acabar em 2023”. Neste ano será revisado o Anexo C do Tratado assinado entre Brasil e Paraguai. “O que poderá mudar, dependendo das negociações entre os governos dos dois países, é a forma do cálculo do valor desse repasse. Os royalties estão previstos no Tratado de Itaipu, assinado em 26 de abril de 1973 e aprovado pelos Congressos de ambos os países. Com isso, mesmo após 2023, a Itaipu seguirá compensando financeiramente os dois países pela utilização do potencial hidráulico do rio Paraná para a produção de energia elétrica”, afirmou a direção da usina em nota.

O documento diz ainda que “cada país está estudando os cenários possíveis para o pós-2023, quando a usina estará amortizada [dívida quitada]”. “Os estudos para a renegociação do Anexo C (bases financeiras do Tratado de Itaipu), que expira em 2023, quando finda o pagamento da dívida contraída para a construção da usina, estão entre os temas estratégicos da binacional para os próximos anos”, completou.

Fazem parte dessa agenda também a renovação tecnológica da usina e a continuidade das ações sociais, ambientais e de desenvolvimento sustentável implementadas pela Itaipu na região.

Caso parecido

Em Yacyretá, usina paraguaio-argentina, construída com base jurídica semelhante à da Itaipu, o anexo C acaba de ser renegociado. A compensação referente ao território inundado, equivalente aos royalties de Itaipu, foi mantida.

Histórico

Os royalties de Itaipu começaram a ser pagos com o início da comercialização de energia gerada pela usina, em março de 1985. O pagamento é calculado em função da energia gerada no mês e repartido igualitariamente entre Brasil e Paraguai. Cada país tem sua própria legislação que regulamenta a distribuição e utilização interna desse recurso.

Desde o início do pagamento, a soma do repasse feito por Itaipu aos governos do Brasil e do Paraguai passa de US$ 10,5 bilhões.

No Brasil, os royalties podem ser aplicados em saúde, educação e segurança, entre outros setores. É vedada sua aplicação na folha de pagamento do quadro de pessoal. Neste quesito, o Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros reconhece que, utilizando os royalties para pagamento de outros gastos – educação, saúde e segurança -, a arrecadação municipal fica mais flexibilizada e leve para a cobertura da folha.

Como é feito o repasse

No Brasil, a distribuição dos royalties é realizada de acordo com a Lei 8.001/1990, segundo a qual 38% são distribuídos aos 16 municípios lindeiros (aqueles diretamente afetados pelo reservatório da usina), proporcionalmente à área alagada. São 15 no Paraná e um no Mato Grosso do Sul. Outros 38% são distribuídos ao Estado do Paraná e 1% ao Estado do Mato Grosso do Sul.

O restante é distribuído da seguinte forma: 13% aos municípios e estados indiretamente atingidos por reservatórios a montante (rio acima) da usina e 10% para órgãos federais (Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Minas e Energia e Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

Os municípios lindeiros são os grandes beneficiados pelo repasse. Desde 1985, os 16 municípios afetados pela formação do reservatório já receberam US$ 1,83 bilhão. Os governos do Paraná e Mato Grosso do Sul receberam outro US$ 1,82 bilhão e os órgãos da União ficaram com pouco mais de US$ 479 milhões.

Assim como Itaipu, outras usinas hidrelétricas também pagam compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos.