Cotidiano

Levantamento mostra artistas repetidos e falta de diversidade musical no réveillon

RIO – A cada ano, o réveillon oficial do Rio ? que se espalha por vários palcos da cidade, sendo os mais nobres os de Copacabana ? recebe cerca de 60 atrações musicais. Desde a virada de 2009 para 2010 até sua última edição, em 2016, foram 402 shows, sem contar as mais de 90 apresentações de DJs. Os números ? extraídos de um levantamento referente ao período feito pelo grupo Produtores RJ, ao qual o GLOBO teve acesso exclusivo ? confirmam a festa como o maior evento de música da cidade. O que os dados também mostram é uma curadoria que não aposta em diversidade de atrações condizente com o tamanho dessa festa. As distorções principais são uma excessiva repetição de alguns nomes e a concentração de artistas de determinados gêneros (pagode e blocos/escolas de samba representam 63,7% das atrações, enquanto o rap teve apenas 0,5%, o que se traduz em dois artistas ao longo de todo o período estudado).

Entre as atrações que mais se apresentaram (excluídas as escolas de samba), destaca-se o cantor e compositor Baia. Com 20 anos de carreira (iniciada com o grupo Baia & RockBoys) e passagens por festivais como Rock In Rio, Back 2 Black (Londres) e Lollapalooza, Baia se apresentou seis vezes como artista solo nos últimos sete réveillons do Rio ? o período do levantamento se refere à gestão Eduardo Paes e do secretário de Turismo Antonio Pedro. Além dessas, o artista tocou mais uma vez com o grupo 4 Cabeça. Outro integrante do 4 Cabeça, Luis Carlinhos tocou mais quatro vezes no réveillon do Rio com seu show solo.

? Movimento um bom público na Zona Sul, estou sempre na atividade, com trabalhos novos ? diz Luis Carlinhos. ? Mas o que faz o artista estar ali e outros não? Não sei bem, acho importante ser consistente. Atualizo a Riotur com meu material sempre. Tem pessoas que te conhecem e te chamam pelo que você representa.

A lista segue com artistas que tocaram seis vezes: o cantor de samba-rock Bruno Maia e os grupos de pagode Coisa Séria e Swing & Simpatia. Apresentaram-se cinco vezes Dhema, Elson do Forrogode e Samba Legal. Luis Carlinhos, Clareou, Nosso Sentimento, Luiz Camilo (que costuma fazer cover de Tim Maia) e o ?Príncipe do pagode? Reinaldo fizeram shows em quatro anos. Alguns deles estão confirmados para este ano, como Swing & Simpatia (no palco de Paquetá), Coisa Séria (Sepetiba) e Bruno Maia (Ilha do Governador).

? Todo ano vou lá na Riotur levar meu material, como os recortes de jornal da época em que lancei meu primeiro disco, em 1991. Aí eu espero para ver se chamam ? conta Bruno Maia.

Os dados levantados pelo Produtores RJ (e compilados em parceria com o escritório Caos! Comunicação & Design) procuram chamar a atenção para a concentração de nomes e gêneros do réveillon. O músico e produtor Qinho, um dos integrantes do grupo, compara a festa à Virada Cultural de São Paulo ? e defende que a curadoria seja tão ampla e criteriosa quanto à daquele evento.

? A verba pública deveria ser usada para contemplar o máximo de diversidade (apenas o réveillon de Copacabana custa entre R$ 17 e R$ 20 milhões, sendo que 70% costumam ser bancados por patrocinadores e 30% pela prefeitura, responsável por gastos como a contratação dos artistas) ? afirma Qinho, que vê no levantamento um retrato da forma como o poder público entende a música na cidade. ? Esse olhar se mostra, por um lado, muito calcado nas referências do mainstream como as grandes gravadoras e a TV, e, por outro, sem nenhuma identificação com a cadeia produtiva que está fora desse mainstream. Ou seja, quando olha para fora desse circuito, a curadoria tem um olhar viciado, nos mesmos nomes. Nesse grupo, há muitos que não têm popularidade ou sustentação para isso, desde bandas de pagode até representantes de outros gêneros. Há um debate mais profundo aí. Como não temos a participação da Secretaria de Cultura nessa seleção? Talvez fosse interessante também um conselho curatorial formado por membros da sociedade civil para pensar o réveillon.

A produtora Thaiana Halfed, também do Produtores RJ, reforça que o estudo quer apontar outra maneira de se pensar a festa:

? Não queremos desmerecer o trabalho de quem se apresenta, mas ressaltar que temos ótimos artistas de diversos segmentos que estão sendo ignorados. O rock independente, que vem se desenvolvendo com força por vários projetos, o rap, que quase não aparece nos palcos, entre outras vertentes da música carioca.

Procurada nas últimas semanas pelo GLOBO, a Riotur ? responsável pela escolha das atrações ? se recusou a dar entrevista, alegando que a agenda do secretário de Turismo Antonio Pedro estava cheia. O órgão enviou uma nota que não se deteve sobre a questão das distorções e nem detalhou o procedimento de escolha das atrações. O texto diz que ?a seleção dos artistas que participam dos palcos organizados pela prefeitura do Rio para o réveillon segue diversos critérios, sendo o principal a disponibilidade nessa época do ano tão concorrida?, acrescentando que ?artistas que moram no Rio de Janeiro acabam sendo privilegiados por terem custos mais em conta e por não precisarem de passagens aéreas e hospedagem?. Entre os critérios adotados, a nota destaca, sem precisão, ?valor do cachê, local da apresentação e preferências musicais do momento e do local, além da disponibilidade para definir as apresentações?. Por fim, defende que ?nas últimas pesquisas realizadas pela Riotur no réveillon a qualidade da seleção sempre foi muito bem avaliada pelos entrevistados?.