Cotidiano

Leia trechos do livro 'Baladas proibidas', a história do 'rei do ecstasy'

64551297_SC São Paulo SP 25-01-2017 Gabriel Godoy é um ex-traficante que ainda com seus vinte e po.jpgRIO ? 1. ?Voltei então para as meninas e vendi os dois comprimidos por 150 reais. Era surreal: havia acabado de fazer minha primeira venda de drogas. Mal tivera tempo de assimilar a loucura da situação, as meninas voltaram trazendo mais três pessoas e pedindo cinco comprimidos, que vendi a 300 reais. Logo em seguida, foi a vez de um casal me abordar. Resultado: mais duas balinhas por 100 reais. Em questão de minutos, havia feito um lucro de 280 reais ? o dinheiro mais fácil que já tinha ganhado na vida. Sentia uma energia estranha crescer a cada transação: era como se aqueles pequenos comprimidos nas minhas mãos me transformassem no cara mais poderoso da festa. As pessoas queriam felicidade, e só eu poderia entregar a elas.?

2. ?Nunca vou esquecer a sensação. Um calor por dentro. Choques e arrepios por todos os lugares. Uma vontade absurda de abraçar meu próprio corpo. Era como se uma força maior tivesse tomado conta de mim. As luzes ficaram mais coloridas e vivas, os pés mais leves, e a música chegava a meus ouvidos com uma vibração estranha. A cada minuto a alegria aumentava e a timidez ia embora. Eu parecia estar em outro mundo, ou melhor ? estávamos todos em uma outra dimensão.?

3. ?Mais uma vez, eu ia me infiltrando no mundo da alta sociedade. Estava vendo de perto a vida íntima daquelas pessoas que torravam dinheiro loucamente, sem se preocupar com o amanhã. Eram as drogas que haviam me colocado ali, em contato direto com a elite do país. Filhos de empresários, herdeiros de vida fácil, alguns ainda na faculdade, outros formados em direito, medicina… Eu sequer havia terminado o colégio. Tínhamos origens e histórias de vida opostas, e eu sabia que, na teoria, não era para estarmos juntos, na mesma sala, dividindo os mesmos papos, os mesmos produtos de luxo, a mesma vida despreocupada. A verdade é que, se não dependessem de mim para conseguir bala, aquela galera não me daria nem boa-noite ? muito menos me chamaria para uma festa particular.?

4. ?Quebrei uma bala no prato com a colher e espremi até virar pó. Era a primeira vez que eu experimentava aquilo. Se tomando uma bala, que demora para dissolver no estômago, você já fica loucão, imagine aspirando direto para o cérebro. Foi surreal. Cheirávamos fileiras de quatro centímetros em cima da mesa. A brisa era digna, muito digna. Dez vezes mais acelerada, uma onda instantânea e duradoura. Meu queixo até tremia. Ligamos o som do quarto e viajamos nas vibrações que nos cercavam, inquietos, pelados, bebendo uma cerveja atrás da outra. Não estava mais frio no quarto. Demos outro tiro, e mais uma bala moída, depois outro tiro. A pupila dos olhos dela parecia prestes a explodir. Conversávamos sobre tudo, transávamos, parávamos e transávamos de novo. Estava alucinado pela nova descoberta e por uma certeza: a de que havia arrastado aquela menina mimada para uma viagem em que seus amigos playboys jamais a levariam.?

Links Rei do Ecstasy5. ?A operação era cheia de regras. Entregávamos em uma lanchonete o dinheiro ao Doutor T., que fazia a compra total e trazia os comprimidos para o Brasil. Quando recebiam o sinal avisando que a droga atracaria em Santos, Tiozão e outro policial o escoltavam do porto até o mocó, às vezes na própria viatura deles. O mocó ficava em um belo apartamento de luxo na zona sul, propriedade do Doutor T. Assim que a droga chegava lá, era a minha vez de pôr a mão na massa, fazendo a separação dos comprimidos. Primeiro Doutor T. tirava a nossa encomenda particular de 20 mil comprimidos, depois tirava a porcentagem de Tiozão e do outro policial, que no final das contas acabava ficando conosco. Com o aumento repentino nas vendas, Doutor T. passou a ir pessoalmente para Amsterdã, na Holanda, negociar a droga. Todo mundo notou uma melhora absurda no produto. Havia balas que já eram ou viriam a ficar conhecidas nesse período, como Orbital Roxa, Canadense Vermelha, Cupido Azul, Charada Verde, Don?t Stop, Shazam Vermelha, Alien Verde, entre outras. Foram alguns dos melhores produtos que já passaram pelo país, e acredito que nunca mais haverá outras iguais. Com elas, expandiríamos de vez os nossos negócios.?

6. ?O hospital mais próximo estava lotado. Fila gigante para o atendimento. Estávamos sem camisa, com óculos bem chamativos no rosto. Duda disse para o parceiro me levar até a recepção, enquanto ele esperaria no carro. ?Sou polícia e tô muito louco, se alguém perceber pode dar problema?, disse ele. Meu parceiro entrou gritando ?Sai da frente, sai da frente? e fomos logo para o atendimento. Com uma das mãos, eu segurava meu outro braço, que tremia sem parar. A atendente viu que parecia sério e me levou rapidamente até a médica. Assim que sentei na sua frente, inventei na hora uma mentira. Disse que, sem saber, havia tomado um copo de bebida cheio de LSD. Mesmo fora de mim, ainda conseguia mentir para me proteger.?

7. ?Cerca de dez policiais começaram a revistar o meu Audi, mas não conseguiram achar as balas, que estavam muito bem escondidas em um compartimento do painel. Mesmo não encontrando nada, me levaram para a delegacia. Lá, encontrei outros dois traficantes algemados, Lucky e Dentinho. Só esse último era meu conhecido. A nossa cana havia sido uma pirâmide. Um dos policiais se infiltrou em uma balada e passou a comprar LSD com Lucky, e depois de ganhar a sua confiança fez uma encomenda de cem unidades para serem entregues na rua. Surpreendido em flagrante na entrega, Lucky entregou Dentinho, que guardava 1.200 micropontos de LSD e alguns comprimidos de ecstasy no seu apartamento. Dentinho então acabou entregando o seu contato direto, Pedrinho ? que fez o mesmo comigo.?