Cotidiano

Jovens surpreendem passageiros com recital de poesias em ônibus no Rio

RIO — Já passava das 23h da última sexta-feira de maio, quando um ônibus da linha 434 (Grajaú x Botafogo) descia a Rua Riachuelo, na Lapa, com destino à zona sul. Não estava lotado, mas ia cheio, com gente suficiente para que uma horda de palmas calorosas se fizesse ouvir em som alto e reticente. Eram passageiros aclamando os meninos artistas que de repente apareceram, maquiados como arlequins, entoando versos e rimas. “Que lindo!”, gritou Cris Cavalcante, um dos artistas, arrebatado pelo entusiasmo da plateia. “Calma, calma!”, brincou o amigo, Ângelo Armani, ao emendar mais um conjunto de palavras rimadas, encantando o público em movimento.

Começou assim: os meninos entraram pela porta traseira, depositaram o violão em uma das cadeiras altas e iniciaram um diálogo quase cantado. No início, ninguém entendia o que estava se passando. Eram vendedores de balas? Pedintes? Qual história contariam? Não, dessa vez era diferente. Os jovens, fantasiados de palhaços, tomaram o espaço do corredor do ônibus como se fosse um palco. Abriram a encenação com versos de Cecília Meireles, em poeminha breve. Depois, já com o ônibus inteiro inebriado pela performance teatral da dupla, arrancaram risadas e olhares apaixonados enquanto “Ai se sêsse”, do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, era proclamado em forma de espetáculo.

EMOÇÃO NA PLATEIA

O copeiro Rubens Santana, sentado em um dos bancos do meio do coletivo, próximo à janela, sorria seguidamente enquanto escutava os poetas. Sorria, apenas, observando com atenção e se mexendo na cadeira, em completo envolvimento com o que se passava ali. Até que falou, quando os meninos passaram ao lado dele:

— Alegrou muito a viagem! — exclamou, abrindo outro sorriso. — Que iniciativa show de bola! O talento de vocês é fora de série — prosseguiu o copeiro, que estava a caminho de casa.

Armani finalizou o recital com poesia própria, sobre os desejos de um mundo mais fraterno. Rimava “educação” com o pedido de que nossas crianças possam “lutar pela democracia sem fuzil na mão”, enquanto uma mulher, sentada em um dos bancos da frente, fazia sinais de que concordava com cada letra. E o menino finalizava: “que essa poesia tenha tocado o seu coração”, ao que de imediato outra mulher, mais jovem, da fileira do lado direito, disparou:

— Que coisa maravilhosa! — rindo com intensidade e marejando o olhar em direção aos artistas. No plano de fundo, a dupla era aplaudida com empolgação por todos os passageiros.

— Boa noite, pessoal. — introduziu Armani, começando a explicar sobre o trabalho e divulgando a página deles no Facebook, “Cativantes do amor”. — Agora, prestem atenção no pedido: nós queremos um abraço. Alguém? — disse o menino, tirando os cachos dos olhos para melhor observar se alguém toparia. Foi instantâneo: todos levantaram as mãos, o que não era pouca coisa, e os meninos saíram distribuindo abraços a cada um dentro do coletivo.

Tudo se passou em cerca de dez minutos, atravessou o trajeto pela Praia do Flamengo e só parou já próximo ao Largo do Machado. Os meninos seguiram no ônibus, já sentados, conversando com alguns passageiros mais curiosos. Quem saltava em algum ponto, não descia antes de parabenizá-los ou agradecê-los.

— É um trabalho que sempre nos emociona e nos deixa muito felizes pelo retorno. Fazemos isso porque acreditamos na arte, no poder da alegria e de espalhar amor. É por meio da cultura que tentamos transformar as coisas — contou Cris Cavalcante, segurando o violão.

— Olha, esse ônibus foi especial. Teve uma energia forte, uma coisa contagiante. O pessoal já foi logo acolhendo a gente, respondendo ao “boa noite”. Muito legal. — disse Ângelo Armani, brincando com a turma do fundo, um grupo de quatro amigos estudantes de engenharia da UFRJ. — Eles foram nosso camarote. São sensacionais.

Lauro Ferreira, 22, estudante de Engenharia Elétrica, era um dos estudantes “do fundão”. — Isso restaura a fé, não é? Às vezes é difícil, mas eu ainda acredito nas pessoas. Somos todos da engenharia, basicamente, mas, contrariando o estereótipo de quem não é de ciências humanas, nós nos emocionamos muito — brincou Lauro, aos risos.

— Quando eles pedem primeiro o abraço, e não dinheiro, quebram as nossas expectativas. São muito criativos, cativantes, têm um poder de comunicação impressionante. Dá pra ver que são apaixonados pelo que fazem — continuou Pedro Luiz, 21, estudante de Engenharia Naval e Oceânica.

Depois da apresentação e dos abraços, os meninos passaram um chapéu pedindo contribuição em dinheiro a quem pudesse ajudar. Eles estão ocupando um galpão no Batan, em Realengo, zona oeste do Rio, onde oferecem oficinas artísticas. Ainda precisam de tintas, materiais de limpeza e outras doações para o pleno funcionamento do espaço.

RETORNO DO PÚBLICO

Na página do “Cativantes do amor” no Facebook, uma mulher escreveu, no dia 4 de fevereiro: “Hoje eu estava em um dia triste. Quando você entrou no coletivo, pensei que ia vender algo, mas seu parceiro recitou o trecho de uma música e você em seguida recitou um poema. Depois vocês pediram um abraço. Eu fui a primeira a levantar e te dar um abraço”.

Em outra publicação, do dia 12 de maio, um homem comentou na foto de Ângelo Armani: “vi você hoje no ônibus, aquele ônibus que entrou em um túnel sem fim, onde a curva te fez cair no banco e todos riram de alegria. Se você fosse meu filho, eu seria um pai orgulhoso de tuas escolhas. Parabéns!”.