Cotidiano

Joana Mariani, cineasta: ?Chegamos a um novo tempo de convivência?

201610102001296060.jpg?Nasci em Londres, em 1975, cresci no Rio e hoje moro em São Paulo. Trabalhava em publicidade, mas há dez anos me voltei para o cinema, Filmei as festas de Nossa Senhora durante quatro anos em Brasil, Peru, Nicarágua, Cuba e México. Todos os países do continente têm Nossa Senhora como padroeira. É impressionante.?

Conte algo que não sei.

Como a fé é importante. Quando comecei o trabalho, em todas as festas que fui, pensei que iria ver um monte de gente pedindo. Não foi o que aconteceu. Vi, sim, muita gente agradecendo. Sempre tive uma percepção que grande parte dos problemas do mundo acontece porque é tudo muito autocentrado. O que eu preciso, o que eu quero. Nessas festas, com essas pessoas, vi que é o coletivo que conta.

Qual comportamento nas festas mostra isso?

No México, há uma caminhada longa até chegar à Basílica. No caminho, ficam pessoas com caixa de comida para dar aos peregrinos. Separam colchonetes para os romeiros. Na Nicarágua, tudo gira sobre a doação. Em Aparecida do Norte, a ajuda também está presente.

Você diz que começou a fazer o filme ?Marias? tentando entender o motivo de tantos países na América Latina adotarem marias como padroeiras. Conseguiu a resposta?

Consegui um monte de respostas. A sociedade latino-americana é patriarcal, mas tem um matriarcado muito forte. A família circula ao redor da mãe. Está perto do pai, está perto de Deus. Elas são arrimo de família. São as mulheres o centro da família. A Nicarágua é uma sociedade sem pai. O Brasil, também.

Pobreza e a desigualdade fazem o povo ter mais fé?

Países desenvolvidos, como Itália, Espanha, Portugal, têm um turismo religioso gigantesco. Quanto menos você tem, mais alento precisa, claro, mas é meio inexplicável a questão da fé. A devoção a Nossa Senhora vem de todos os credos e níveis.

O sincretismo impera em todos os países?

No México, são 70% católicos e 100% devotos de Nossa Senhora de Guadalupe. A história dela se mistura com a história do país. Iemanjá, no Brasil, é um pouco diferente. Apesar de estar associada à Nossa Senhora, tem uma figura só sua. Não é africana e nem europeia. O sincretismo vem pela essência, não pela imagem. É uma explosão de religiosidade, que une judeus, candomblé, umbanda, evangélicos e até ateus.

Como explicar essa adoração à Nossa Senhora num continente tão machista como a América Latina?

O machismo ainda é muito arraigado, mas avançamos muito. O mundo vai ser muito melhor para a próxima geração de mulheres. Essa multidão de pessoas em vários países está exercendo valores femininos, de aceitação, de convivência. É uma homenagem à mulher. Nessas festas, vimos que somos todos Marias, homens e mulheres. Chegamos a um novo tempo de convivência.

É a mesma Nossa Senhora, mas de formas diferentes..

Uma das entrevistadas do filme resume bem essas diferenças. É como se olhar num espelho. Um dia, estamos com vestido, com roupa colorida, de cabelo preso ou não. Mas é sempre a mesma pessoa. Isso acontece com as Marias, preta, branca, de amarelo, de azul. São uma só.

O que mudou na sua vida depois dessa peregrinação?

Tive minha filha Clara um ano antes de começar a filmar, em 2008. A história daquelas mães marcou completamente a forma como vejo a vida e de educar minha filha. Sou muito mais paciente. A conclusão durante todo esse processo é que gentileza gera gentileza e violência gera violência.

É devota de Nossa Senhora?

Sou judia e muito devota.