Cotidiano

Jessica Care Moore, escritora: 'Às vezes o maior elogio é não ganhar o prêmio'

“Nasci na Zona Oeste de Detroit, numa família de trabalhadores, e é esse o país que represento. Tenho 45 anos. A primeira experiência como profissional veio com o jornalismo, mas já escrevia poesia aos 9 anos. A primeira vez que li um poema meu em voz alta foi no funeral do meu pai. Hoje apresento minha poesia no mundo inteiro.”

Conte algo que eu não sei.

Há algo muito poderoso em ser capaz de contar uma história de forma compacta. Os poetas tentam contar histórias muito vivas e cheias de imagens, e, no slam, temos que obedecer o limite de três minutos. E como a experiência de assistir a uma performance de poesia é visceral, pode ser transformadora para a plateia. Poemas não são feitos para ficar guardados, precisam ser compartilhados. A poesia, literalmente, salvou a minha vida. Quando tive meu filho, me separei, e precisei da ajuda do Estado. Foi o caminho da escrita que me tirou daquela situação. A poesia pode salvar o mundo.

Como os poetas podem salvar o mundo?

Poetas são os artistas mais mal remunerados, mas também são aqueles geralmente mais alinhados ao que há de melhor na arte. Temos que continuar sendo aqueles que dizem a verdade, a vanguarda, conectados às vozes da sociedade e às organizações de ativistas. Existem pessoas traumatizadas pela vitória de Trump, que temem por suas vidas: negros, pobres, gays? Hoje, grande parcela da população age como massa de manobra. Talvez nós, ativistas e pessoas que queremos mudar o mundo, tenhamos ficado muito confortáveis com o presidente Obama, acreditando que o mundo tivesse se tornado um lugar melhor. Mesmo com Hillary, teríamos uma primeira mulher na presidência. Enfim, talvez a gente precise dessa bomba-relógio para acordar. Rezo pela geração do meu filho.

Como foi crescer em Detroit?

Era uma cidade bonita. Cresci na fronteira com Dearborn, que tem a maior comunidade muçulmana dos EUA. Detroit era uma cidade predominantemente negra, e muito orgulhosa. Só agora teve a primeira prefeita branca, o que acho surreal. Hoje, a população é 84% negra, ainda é uma cidade chocolate. O declínio veio nos anos 80. Nossas comunidades foram destruídas pelo crack e a infiltração de armas. A guerra às drogas é uma guerra contra pretos e pobres, não o oposto.

Por que decidiu fundar sua editora, a Moore Black Press?

Em 1995, já em Nova York, me inscrevi para participei do Showtime at the Apollo, que ia ao ar à 1h da manhã. Participei por cinco semanas lendo os meus poemas: ninguém ganhou tantas vezes em seguida. Com o sucesso, fui sondada por agentes literários, mas me livrei de todos para abrir minha editora. Foi com ela que publiquei meu primeiro livro, “The words don?t fit in my mouth”, em 1997.

O que você achou da escolha do Nobel para Bob Dylan?

Acho que ele é um grande artista. Mas não ligo para estrelinhas e troféus, porque acho que todo o sistema está errado. Participei de eventos com todos os poetas laureados dos EUA. Mas só poderia ganhar um National Book Award (um dos prêmios literários mais importantes dos EUA) se uma editora branca publicasse meus livros. Eles não vão premiar uma publicação de uma editora negra. Essa é a realidade: se eu não for conivente com o status quo, estou fora.

Como lidar com isso?

“Dane-se”. Prefiro que vejam que uma garota de Detroit, de uma família operária, conseguiu viajar pelo mundo recitando suas poesias sem ter que entrar na máquina. Eu mesma me validei, em vez de esperar um selo de aprovação. Gosto mais desta história. Escrevo o que quero, e ninguém me diz como eu tenho que me vestir ou como me portar. Às vezes, o maior elogio é não ganhar o prêmio.