Cotidiano

Jeffrey Skoller, cineasta: ?Os celulares revelam o que a polícia sempre fez?

201609211422038470.jpg?Sou formado em Cinema e Belas Artes e tenho doutorado em Estudos de Cinema. Mais do que a indústria, meu interesse é o cinema como arte, sua conexão com quadros, esculturas e música. Fiz filmes experimentais e de vanguarda. Hoje, alterno entre fazê-los e escrever sobre eles. Quem sabe não faço um sobre o Brasil??

Conte algo que não sei.

Vídeos filmados por pessoas comuns na rua também são arte. Ao filmar um policial cometendo abusos ou uma manifestação, elas ajudam a criar uma imagem do mundo em que vivemos, nos ensinam algo sobre a nossa realidade e sobre a maneira como vivemos neste mundo ? esse é o papel da arte: nos ajudar a perceber situações que normalmente negligenciaríamos.

Assim como no Brasil, nos EUA, o dia a dia das pessoas está repleto de casos de abuso de poder por parte da polícia. Recentemente, assistimos a muitas situações de negros desarmados sendo assassinados. De que maneira a tecnologia transformou essas situações?

Quando filmam a polícia, as pessoas desestabilizam a hierarquia, a relação de poder entre os policiais e o cidadão. Seja uma filmagem em primeira, seja em terceira pessoa, os celulares revelam aquilo que a polícia sempre fez, só que, antes, com total impunidade. Isso abre uma discussão, que ainda não havia sido aberta, e inicia movimentos como ?Black Lives Matter? (?As vidas dos negros importam?, em tradução livre).

Então, qualquer pessoa com uma câmera é um artista em potencial?

Não é como se as pessoas estivessem gritando ?sou um artista?, por aí. Mas mostrar o que antes não enxergávamos é tão importante quanto o grande artista pintando o quadro. É uma velha discussão que se repete: arte é o que está nos museus ou o que as pessoas fazem nas ruas? Pode ser que tenhamos mais arte no YouTube do que nos grandes cinemas. Quem sabe?

De que maneira você acredita que se dará o desfecho desta ?guerra entre culturas??

É preciso notar que os próprios museus e galerias estão incorporando esses vídeos, fazendo mostras cada vez mais interativas. É uma tentativa de conectar a dita ?alta cultura? com o dia a dia das pessoas.

E como fica a questão da qualidade final do filme?

A qualidade da imagem não é tão importante quanto o que ela diz. O problema de Hollywood é que eles têm toda a técnica e qualidade, mas não estão fazendo filmes tão interessantes assim. Esse último verão foi um desastre de recepção, quase ninguém foi aos cinemas. Já o vídeo feito por uma mulher em seu carro, enquanto seu namorado negro agonizava após ter sido baleado por policiais, viralizou, porque tem um conteúdo de extrema relevância. Os filmes de Hollywood são produtos: diretores emendam uma coisa com outra, fazem um remake de uma série, de um quadrinho ou até mesmo de outros filmes e entregam. Quase não se tem filmes criados, fruto de imaginação. E as pessoas vão se entediar disso.

Este ano, foi lançado o ?Tangerine?, primeiro filme inteiramente gravado por smartphones. Você acha que esta é a alternativa?

Apesar de as pessoas estarem apostando cada vez mais em efeitos especiais e tecnologia, é esse tipo de história que vai ser o futuro das grandes telas. Já percebemos isso com os documentários, que têm se tornado cada vez mais importantes por tratarem de assuntos relevantes. As pessoas querem histórias. E são filmes como esse, cheios de personalidade, que vão salvar o cinema.