Cotidiano

Jardim Botânico: governo Dilma, já no fim, tentou manter moradores

irregular.jpgRIO – No apagar das luzes da administração Dilma Rousseff, a Secretaria do Patrimônio
da União (SPU) e a presidência do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico
voltaram a travar um embate em torno da desocupação do parque. Uma minuta do
documento de doação da área ao instituto, de 3 de maio, assinada pelo titular da
SPU, Guilherme Estrada Rodrigues, permite que as 520 casas que ocupam área do
Jardim Botânico (formam a chamada comunidade do Horto) sejam regularizadas. E
mais: mantém o Serpro e Furnas no terreno. Na queda de braço, a atual presidente
do Jardim Botânico, Samyra Crespo, encaminhou à SPU um novo termo de doação,
suprimindo as duas cláusulas, que, na avaliação do procurador federal Marcos da
Silva Couto, contrariam acórdãos do Tribunal de Contas da União.

Samyra tem encontro amanhã, no Rio, com o novo ministro
do Meio Ambiente, José Sarney Filho, para tratar de seu cargo. O economista e
ecologista Sérgio Besserman confirmou que recebeu convite de Sarney Filho para
assumir o Jardim Botânico, como antecipou Ancelmo Gois em sua coluna no GLOBO.
Besserman limitou-se a dizer que ficou ?alegre? com o convite, mas que ainda não
o aceitou. Contou, porém, que o prefeito Eduardo Paes já o liberou para deixar a
presidência do Instituto Pereira Passos (IPP).

ÁREA VALE R$ 10,6 BILHÕES

Três anos após a então ministra do Meio Ambiente,
Izabella Teixeira, anunciar a decisão do governo de delimitar a área histórica
do Jardim Botânico, finalmente, em 1º de março último, os terrenos ? são dois,
que totalizam 1,29 milhão de metros quadrados e valem quase R$ 10,6 bilhões ?
foram registrados em nome da União. O próximo passo, portanto, será
transferi-los para o Jardim Botânico.

O documento da SPU de doação, ao qual O GLOBO teve
acesso, prevê na subcláusula quarta a alienação ou cessão quando ?a finalidade
for a execução de projeto de regularização fundiária de interesse social ou
assentamento de famílias carentes ou de baixa renda?. Um acórdão do TCU, porém,
estabelece prazos para a desocupação assim que as terras forem formalmente
transferidas para o Jardim Botânico.

Samyra lembrou que o Jardim Botânico é um dos principais
patrimônios históricos e ambientais do Brasil, destacando que a conquista do
Registro Geral de Imóveis (RGI) das terras foi um legado. Ela, no entanto, não
poupou críticas à SPU:

? A SPU nunca se conformou com a decisão do governo,
tomada há três anos, de prover moradia fora do Jardim Botânico para as cerca de
500 famílias que estão lá, nem todas de baixa renda. Sempre quiseram a
permanência dos aglomerados que chamamos comunidade do Horto. Sonegaram
documentos, nunca passaram o cadastro detalhado e trabalharam politicamente para
impedir as reintegrações determinadas pela Justiça.

PLANO EMERGENCIAL DA PF

A presidente do Jardim Botânico destacou ainda as consequências da
ocupação:

? Ter moradores dentro do arboreto tombado, como existe
hoje, é um escândalo e no corredor de mata que liga o arboreto ao Horto é
incompatível com a função de um Jardim Botânico dedicado à educação, à ciência e
ao turismo científico. Além disso, a franja do Parque da Tijuca não pode ser
favelizada. A última chuva de verão fez descer toneladas de lixo da comunidade
do Horto até o jardim, assoreando nossos córregos e canaletas. Existe um
conflito difícil de administrar, e a comunidade é hostil. Temos vários
documentos que mostram invasão e ameaças a funcionários.

Em abril, Samyra encaminhou um documento à Polícia
Federal, no qual cita ?claros indícios de escalada de violência, de estratégias
de ?guerrilha urbana? e de presença de criminosos na área?. No ofício, ela pede
um trabalho de inteligência e um plano de segurança emergencial.

A cláusula sexta do termo da SPU exclui da doação áreas
cedidas a Furnas e ao Serpro. Um trecho do acórdão do TCU, entretanto, diz que a
cessão aos órgãos deve vigorar tão somente ?até que sejam averbadas e/ou
registradas em cartório as delimitações exatas da área abrangida pelo JBRJ?. O
Jardim Botânico não faz objeção à permanência da Light (que usa a área de Furnas
para manter uma subestação), mas a presença do Serpro é considerada
incompatível, já que, por causa dele, diariamente circulam no parque 400 carros
e dez ônibus.

Por telefone, Guilherme Estrada Rodrigues confirmou
somente que foi confirmado no cargo de secretário da SPU pelo novo ministro do
Planejamento, Romero Jucá. Sobre o Jardim Botânico, as respostas lacônicas
vieram por e-mail. Disse que a alteração do termo inicial de doação está em
análise, mas que ?as cláusulas (suprimidas pelo Jardim Botânico) não contrariam
acórdão do TCU?. Quanto à desocupação, afirmou que ?as referidas decisões são de
competência do Jardim Botânico, que detém a posse do imóvel?.