Cotidiano

Inteligência envia relatórios diários sobre caos na fronteira

Foz do Iguaçu – Operações como a Fronteira Sul que está sendo realizada nas fronteiras do Brasil com o Paraguai e com a Argentina, coordenadas pelo Exército Brasileiro e a Marinha, mas que recebem o apoio de outras forças de segurança, não chegam a ser novidade e até permitem que a criminalidade dê certa trégua durante o período em que os agentes estão em patrulhamento, mas para algumas forças de segurança, são ações paliativas que não servem para estancar uma sangria em um dos trechos mais vulneráveis entre os 17 mil quilômetros de fronteira de todo o Brasil.

Leia mais: PF comprou cinco Vants, mas ninguém sabe onde eles estão

Mas a situação está longe de ser uma surpresa ao governo. Pelo contrário.

A reportagem do Jornal O Paraná apurou, com exclusividade, que há pelo menos dez anos os serviços de inteligência da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e da PF (Polícia Federal) enviam os chamados Relints (Relatórios de Inteligência), todos os dias, para pontos estratégicos do governo federal, como o Ministério da Justiça e o da Defesa, além do Departamento da Polícia Federal e agora o recém-criado Ministério da Segurança Pública. Isso mesmo: todos os dias!

“Pela forma como tratam a fronteira, como o trabalho vem sendo feito, com a falta de efetivo e o descaso com o que passa pela fronteira, tenho a sensação de que alguém não lê esses relatórios. Alguém ou muitas pessoas em Brasília possuem uma gaveta bem funda para guardar esses documentos”, reclama um agente que já acompanhou a elaboração deles.

Avanço

Dentre os pontos mais citados nos chamados Relints, apurados pela reportagem, está o mapeamento e o avanço de organizações criminosas, como o PCC (Primeiro Comando da Capital), que tem no Paraná a segunda maior casa, ficando atrás apenas de São Paulo onde a facção nasceu. Ou seja, há dez anos o governo tem a possibilidade de ver o crime estendendo seus tentáculos pela Costa Oeste do Paraná, sem que nenhuma ação afetiva sobre isso seja feita.

Os documentos reforçam ainda por que o PCC prefere outras cidades da região oeste do Paraná e não Foz do Iguaçu, por exemplo, onde há uma comunidade árabe mais forte e que coloca barreiras naturais ao avanço de uma das principais facções criminosas brasileiras por lá.

Mesmo assim, o FBI (Federal Bureau of Investigation) e o DEA (Drug Enforcement Administration) – ambos serviços de inteligência e de monitoramento americanos – já fincaram bases na região para investigar o tráfico internacional de armas e a parceria do PCC com células terroristas como o Hezbollah, por exemplo.

Como as quadrilhas se movimentam

Além de aspectos setorizados, os relatórios alertam para uma situação global da fronteira e chama a atenção para outro importante ponto: parte expressiva das armas e munições que abastecem o crime organizado brasileiro vem do Paraguai, com itens importados de outros países, inclusive dos próprios Estados Unidos.

Outro ponto mapeado por esses relatórios diz repeito às apreensões. Os Relints revelam que, em média, apenas 5% a 7% das mercadorias, drogas, armas e munições que passam pela fronteira são apreendidos. “Se num universo forem apreendidos 30 fuzis, isso significa que pelo menos outros 600 passaram e isso ocorre pelas rotas bem traçadas, viciadas e com o envolvimento de alguns agentes públicos de segurança”, segue o agente.

Ou seja, numa conta rápida, para se ter uma ideia, “A principal rota usada pelo tráfico de drogas e armas é por via terrestre, nem por água nem pelo ar. É que fica mais fácil sair do Paraguai, passar pelo Mato Grosso do Sul onde há fronteira seca, depois pelo Paraná e por aí vai para todo o Brasil, mas se engana quem pensa que os carregamentos seguem só pelas estradas principais. Olhe a infinidade de estradas rurais que temos e esse é um dos principais trechos usados pelos traficantes. Para chamar menos a atenção, o transporte é feito com carros de passeio na maioria das vezes”, segue outro agente.

Vants: cada voo rendia R$ 800 mil apreendidos

Os relatórios enviados ao governo revelam outro fator interessante: a importância do Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) no combate ao crime na região. Quando estava em operação, a cada voo havia um resultado prático de apreensão de contrabando ou de itens traficados no valor médio de R$ 800 mil. Quando o Vant não operava, esse volume caía para cerca de um terço.

Há cerca de dois anos dois Vants estão recolhidos na base no Aeroporto de São Miguel do Iguaçu, de onde não saíram mais, um montado e outro encaixotado.

Na semana passada, em Cascavel, o ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que os Vants serão reativados, mas não falou em prazos.

Entre os motivos para a inoperância está a falta de dinheiro para abastecer, para manutenção e até para treinamentos. Vale lembrar que os oito agentes da Polícia Federal preparados, com treinamento israelense, para operar os Vants custaram aos cofres públicos R$ 8 milhões, ou seja, o treinamento de cada um custou R$ 1 milhão. Apesar de altamente preparados, esses agentes estão hoje em pontos distintos, atuando em áreas que nada têm a ver com o serviço de inteligência com o uso do veículo aéreo não tripulado. “O grosso do investimento foi a aquisição. O problema que havia era para manter e treinar o pessoal, por isso estamos fazendo uma parceria com a FAB [Força Aérea Brasileira] para reativar esse serviço”, afirmou Jungmann.

Por outro lado, ninguém sabe, oficialmente, do paradeiro de outros três Vants que também foram comprados ainda durante o Governo Dilma Rousseff, mas que nunca foram usados em operações. Juntas, as cinco unidades fabricadas em Israel teriam custado cerca de R$ 40 milhões.