Cotidiano

Inspeções pós-massacre apontam descontrole em presídios e domínio de facções

BRASÍLIA – Inspeções realizadas pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados em presídios do Amazonas e de Roraima após os massacres ocorridos neste ano, com 99 mortos nos dois estados, apontam que as autoridades tinham conhecimento da ameaça de chacinas e que o descontrole por parte do Poder Público permanece. Segundo o relatório, as facções continuam no controle dos estabelecimentos, grupos rivais não foram totalmente isolados em unidades distintas e uma liderança teria recebido celulares e dinheiro por meio de corrupção de servidores com acesso às prisões.

As visitas ocorreram entre 10 e 12 de janeiro e foram lideradas pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos, padre João (PT-MG). Segundo o relatório das inspeções, a comitiva não pode entrar no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde 56 presos morreram, porque o estado do Amazonas alegou que não havia como garantir a segurança dos visitantes, uma vez que suspeitava da existência de armas escondidas nos pavilhões.

Já na cadeia pública reaberta em Manaus para abrigar presos retirados do Compaj após o massacre, foi possível entrar, apesar da situação caótica. Detentos relataram que existem grupos rivais no local, ao contrário do divulgado pelo governo, que sustenta manter na cadeia pública somente os presos do Primeiro Comando da Capital (PCC). Ainda segundo o relatório, os detentos temem ?novas tentativas de massacre?.

Também chamou a atenção da comitiva o relato de que numa das celas da cadeia reaberta emergencialmente, exatamente para onde foi enviado um dos líderes do PCC, havia R$ 13 mil, celulares e carregadores dentro de um colchão, ?o que indica facilitação por parte de agentes públicos?, aponta o documento.

Antes do massacre, explica o relatório, detentos enviavam cartas para a direção do Compaj informando que estavam sendo ameaçados de morte, mas nada era feito. Alguns presos faziam ameaças contra outros exibindo armas pelas frestas das celas durante as visitas. As autoridades responsáveis tinham conhecimento da ameaça de chacina, sustenta o relatório da comissão.

O prédio da cadeia, que havia sido fechada pelo governo do Amazonas em 2016, ?não possui condições mínimas de abrigar pessoas?, segundo o relatório, que apontou ?muita sujeira, ratos, baratas, infiltrações, instalações elétricas extremamente precárias e lixo acumulado?.

Em Roraima, os visitantes atestaram que ?existem facções do crime organizado atuando dentro do sistema prisional, a saber, o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e a Família do Norte (FDN)?. Segundo o relatório, a superlotação persiste na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, onde 33 detentos morreram em um massacre. Em celas com capacidade para até oito pessoas, havia 25 presos. A área do presídio está circundada por um esgoto a céu aberto, ainda conforme o documento.

Dezenas de relatos de tortura ocorridos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo e Cadeia Pública Feminina de Boa Vista foram colhidos. Segundo as denúncias, agentes policiais e penitenciários costumam organizar os presos em fila, sem roupa e de costas, para disparar tiros de bala de borracha na altura das nádegas; arremessar bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta dentro das celas superlotadas; organizar os presos em círculo e jogar, no meio deles, uma bomba de gás, atirando balas de borracha naqueles que tem a reação instintiva de se afastar do gás.

Tais agressões foram contadas com detalhes, por vários custodiados, à comitiva que realizou a inspeção. ?A uniformidade das falas nas denúncias feitas a nós aponta a gravidade da questão, que consideramos inadmissível, uma vez que prejudica ou anula qualquer possibilidade de ressocialização?, afirma o deputado Padre João, que assina o relatório das inspeções.

Uma série de recomendações foi feita pela comissão no sentido de desencarcerar presos que não precisam estar atrás das grades, prover segurança e condições dignas aos apenados e funcionários, aumentar o quadro de agentes penitenciários, entre outras medidas.