Cotidiano

Indústria pede mais tempo para pôr alimentos alergênicos nos rótulos

rotulo 3.jpgRIO ? Às vésperas de se tornar obrigatória a inclusão de ingredientes que podem provocar alergia nos rótulos de comidas e bebidas, empresas de alimentos pediram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um adiamento desse prazo. A data-limite é julho deste ano, uma vez que a proposta de regulamentação foi aprovada em 3 de julho de 2015 e determinava que as empresas do setor cumprissem a norma em 12 meses. A Anvisa diz que esses pedidos estão em avaliação e, portanto, o prazo alergia continua o mesmo. No entanto, militantes da causa e pais de crianças que têm algum tipo de alergia a alimentos temem que a pressão da indústria faça essa regulamentação tão aguardada ficar para depois.

Segundo membros da campanha ?Põe no Rótulo?, que começou em 2014 e ganhou força na internet ? atraindo a participação de famosos como fafá de Belém, Mateus Solano e Tiago Leifert ?, as principais alegações das empresas são que a adequação à nova norma exigem alto custo e mexem com uma complexa cadeia produtiva. No entanto, o movimento ?Põe no Rótulo? destaca que ampliar o prazo é ignorar um direito da sociedade: saber o que está comendo.

A regulamentação sobre os alergênicos (RDC nº 26/2015), que incluem leite, trigo, soja, ovo, amendoim e outros, já foi defendida por instituições de renome, como o Instituto Brasileira de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI) e os institutos Alana e Akatu.

? O que causa estranheza em relação a esse pedido de adiamento é que muitas indústrias já se anteciparam ao prazo estabelecido pela Anvisa e estão rotulando corretamente. A grande quantidade de rótulos de produtos industrializados já de acordo com a norma confirma que é perfeitamente possível atender ao prazo de 12 meses que está previsto na legislação ? alerta a advogada Fernanda Mainier Hack, uma das coordenadoras do movimento.

rotulo.jpgOutra coordenadora do ?Põe no Rótulo?, Mariana Claudino conta que, para evidenciar a gravidade do problema, a página do Facebook do movimento publicará, até julho, uma série de fotos mostrando crianças que tiveram reações alérgicas porque ingeriram um alimento que não tinha as devidas informações no rótulo. Uma das primeiras imagens deste tipo que eles publicaram, de um menino que teve a pele coberta de placas vermelhas após comer um biscoito, alcançou 220 mil pessoas na internet.

? Nunca tínhamos publicado fotos de reações alérgicas porque entendíamos que era um apelo desnecessário, mas, agora, com a ameaça de o prazo ser postergado, vemos que não é ? diz Mariana. ? É a partir de fotos como esta que as pessoas se dão conta de como alergia a alimentos pode ser grave. E não estamos falando só de bolos e biscoitos, mas de feijão, arroz, alimentos importantes da dieta de uma criança. Essas comidas podem ter traços de ingredientes alergênicos, porque podem ter sido feitas em maquinário compartilhado com alimentos que levam ovo, por exemplo. Crianças podem morrer por causa disso.

bebe com alergia.jpgA Anvisa informou, em nota, que ainda não há uma proposição oficial para que o prazo seja adiado, mas algumas empresas fizeram contato para que isso aconteça.

?Não há proposição tramitando na Anvisa para dar suporte a uma prorrogação de prazo para adequação da rotulagem obrigatório dos principais alimentos que causam alergias. A Agência vem recebendo pedidos de representantes de diferentes segmentos da sociedade relativos à prorrogação de prazo de adequação. Porém, a Anvisa ainda avalia essas solicitações?, afirma a nota.

Também segundo a agência, dados enviados pela Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia) estimam que, em média, 65% dos produtos das empresas associadas estão adequados à nova resolução. ?Deste modo, já é possível afirmar que existem produtos com rotulagem adequada à norma?, completa a nota.

Para a advogada Cecilia Cury, doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP, fundadora e coordenadora do ?Põe no Rótulo?, não há justificativa plausível para que a norma tenha sua entrada em vigor prorrogada.

? A necessidade do destaque dos alergênicos nos rótulos é um tema que o setor produtivo brasileiro acompanha há quase duas décadas, não havendo nenhum argumento relevante ou fato novo que pudesse justificar o pleito de ampliação do prazo proposto pela norma. Afinal, o dever de informar de maneira clara e compreensível decorre da Constituição Federal e está expressamente previsto no Código de Defesa do Consumidor ? defende Cecilia.