Cotidiano

Indranil Chakrabarti, urbanista: ?Temos que mudar nossa visão sobre caridade?

?Nasci em Calcutá, na Índia, mas fui criado na Inglaterra, terra de minha mãe. Trabalhei com Kailash Satyarthi, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2014. Coordenei a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil na América Latina no final da década de 1990. Hoje me dedico ao desenvolvimento social entre países.?

Conte algo que não sei.

Temos que deixar de pensar nas pessoas pobres como
marginais, mas vítimas de nós mesmos. Temos também que entender e aceitar que as
estruturas sociais e econômicas impedem a inclusão. Você pode ir ao lugar mais
afastado da África, à favela mais pobre da Índia, e vai perceber que as pessoas
ali querem o mesmo que nós. Querem ter acesso à educação, à saúde e ao mercado
de trabalho. Querem proporcionar uma vida melhor a seus filhos e seus netos. No
entanto, a sociedade cria impedimentos para que essas pessoas tenham as mesmas
oportunidades que nós.

É possível reverter esse quadro?

Em 1997, no livro “Os Mitos da Marginalidade”, de Janice
E. Perlman, surge o conceito de que os sistemas econômico-sociais existentes
marginalizam os menos favorecidos. A partir disso, entendemos que é preciso
olhar a pobreza não como uma situação inerente. Temos que mudar o nosso ponto de
vista sobre caridade. Não estou criticando a filantropia, mas a questão vai
além. Podemos assegurar a equivalência de oportunidades, e é isso que deveríamos
estar fazendo.

Na década de 1990, você estudou a pobreza no Brasil. O que mudou
de lá para cá?

Até a recessão econômica, o Brasil era o único país do Brics que tinha
diminuído a pobreza e a desigualdade. Nos últimos 15 anos, a redução da pobreza
reduziu muito,e o acesso à educação mudou consideravelmente. As pessoas passaram
a ter mais consciência de seus direitos. Quando voltei, em 2013, já não vi mais
os grandes movimentos migratórios, de famílias deixando áreas pobres para os
grandes centros, que percebi em1993.

A situação dos jovens ainda preocupa?

Acho que todos reconhecem que, atualmente, o desafio de
acesso à educação não é o maior problema do Brasil. Temos mais crianças e
adolescentes estudando do que há 20 anos. Mas precisamos de qualidade, poder
capacitá-los de maneira que eles saiam do ciclo escolar preparados para
enfrentar os obstáculos da vida. Porém, como todos sabem, o retrato nacional é
misto: há lugares onde a educação é excelente e há outros, a maior parte, onde
ainda falta estrutura apropriada. Isso é um processo. A preocupação agora deve
ser preparar e formar a juventude para que ela não perca as oportunidades que
surjam a partir da educação.

Brasil e Reino Unido têm trabalho conjunto de busca de soluções
para a pobreza em países em desenvolvimento. Como é isso?

Trabalhamos em parceria em algumas áreas em benefício de países como
Moçambique, Etiópia, Gana, Malawi e Senegal. Buscamos soluções sustentáveis,
principalmente, nas áreas de agricultura tropical e segurança alimentar e
nutricional. O Brasil é um exemplo de redução da pobreza e de criação de
oportunidades para grupos até então excluídos. É uma cooperação horizontal, que
não requer muito dinheiro, mas pode melhorar a vida de muita gente.

Como é possível levar nossas experiências a países com culturas
tão diferentes?

Não se trata de copiar, mas adaptar pequenas tecnologias e inovações que
funcionam bem aqui. A ideia é compartilhar experiências positivas, que podem
gerar resultados positivos em qualquer lugar.