Cotidiano

?Impedir trans de usar nome social é violência?, diz psicanalista

RIO — O renomado psicanalista Joel Birman, autor de vários livros sobre o tema no Brasil e na França, considera uma “violência psicológica” a tentativa de proibir transexuais de usarem seus nomes sociais, em vez daqueles sob os quais nasceram. O país passa por uma fase de retrocesso em relação à sexualidade, afirma ele, que é palestrante da jornada “O sexo que habito”, neste sábado, no Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos.

Na última quarta-feira, dia 18, parlamentares de dez partidos protocolaram na Câmara dos Deputados um projeto para anular o decreto nº 8727, que permite que funcionários públicos da esfera federal usem seus nomes sociais em crachás e documentos oficiais. O decreto foi aprovado em abril pela presidente afastada Dilma Rousseff.

Como a psicanálise entende o uso do nome social pelas pessoas trans?

Os pilares do tratamento para os trans são a realização da cirurgia para mudar a anatomia, a utilização de hormônios e a mudança do nome nos registros. Desde que a cirurgia de mudança de sexo foi criada na Dinamarca, nos anos 1940, esses três aspectos são entendidos pela classe médica como condições para que essas pessoas possam viver bem. Então, quando deputados tentam impedir o uso do nome social, estão contrariando todo um movimento de modernização que tivemos no mundo. É uma violência psicológica com essas pessoas.

Estamos retomando um conservadorismo em relação à sexualidade no Brasil?

Sim, estamos vivendo hoje no Brasil uma série de retrocessos em relação a isso. Representantes das igrejas mais conservadoras se opõem a essa liberação, numa atitude muito repressiva. Estávamos caminhando para uma modernização maior e agora andamos várias casas para trás. É como se tivéssemos voltado há 30 anos. E o governo Temer, com o fortalecimento de políticos conservadores, representa esse retrocesso. Isso é muito preocupante e perigoso. Neste momento, o Brasil está muito mais conservador em relação à sexualidade do que nossos vizinhos. A Argentina, que é parecida conosco em vários aspectos, é mais liberal. Nosso fundamentalismo religioso se contrapõe de modo agressivo aos direitos dos transexuais e homossexuais.

Como explicar a diferença entre gênero e sexo?

O sexo é uma determinação biológica: macho ou fêmea. Já o gênero é uma construção cultural. Não só psíquica, mas cultural e social. A discussão sobre sexo vem desde o século XIX, enquanto a discussão sobre gênero vem dos anos 1960.

Com que idade a criança começa a entender seu gênero?

Em torno de 3, 4 anos de idade, quando a criança passa pelo Complexo de Édipo. Nesse contexto, muitas crianças pensam que são do sexo oposto ou acham que têm uma discordância entre seu sexo e seu interesse sexual. Mais tarde, essa discordância pode se radizalizar ou pode ser só uma fantasia infantil.

Como os pais e as escolas devem lidar com crianças trans?

Os mais conservadores vão achar que estão diante de uma doença psíquica, mas famílias mais liberais aceitam que isso pode acontecer. Levar a criança para terapia pode ser útil, não para obrigá-la a coadunar sexo e gênero, mas para ajudá-la a descobrir se o gênero dela realmente é diferente.

Os atores Angelina Jolie e Brad Pitt causaram muito burburinho por deixarem a filha andar com roupas originalmente confeccionadas para meninos. Como você avalia esse posicionamento?

Este é um exemplo de pais que respeitam o desejo da criança. Se a inclinação dela é masculina, é preciso respeitar. No Brasil, temos também exemplos deste tipo de famílias. Obrigar a criança a ser aquilo que ela não quer ser fará com que ela apresente sintomas psíquicos. Isso poderá provocar dor real nela. E, em geral, o comportamento dela será reprimido nesse momento, mas, mais tarde, voltará. E ela pode não saber como lidar com isso e desenvolver uma série de problemas psíquicos. Os pais devem buscar um auxílio de um psicanalista para criar um espaço de liberdade para a criança discutir isso. A terapia pode ser um momento que a criança perceba que isso é uma fantasia que se sustenta ou que perceba que ela de fato tem outro gênero. Crianças pequenas, de 3, 4 anos, já são capazes de fazer terapia. basta procurar um especialista em psicanálise infantil.