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Húngara da esgrima tem naturalização brasileira suspensa e pode ficar fora das Olimpíadas

O sonho olímpico de Emese Takács, de 38 anos, húngara naturalizada brasileira por casamento, durou quatro dias. Começou domingo, com a confirmação na equipe de esgrima do país-sede dos Jogos, e terminou quarta-feira, quando teve suspensa a cidadania e, consequentemente, sua permanência na seleção. Por enquanto, Emese (pronuncia-se “Emeche”), segunda no ranking nacional de espada, está fora da Rio-2016.

A juíza Anne Karina Costa, da 5ª Vara Federal de Curitiba, deu 20 dias para Emese se defender do processo movido pelo técnico Giocondo Cabral. Ele alega que a atleta obteve nacionalização sem atender aos requisitos da Lei 6.815/80, que define a situação jurídica do estrangeiro no país.

A decisão não é definitiva. Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, e pode ser julgado antes das Olimpíadas, em agosto. O prazo para inscrição da delegação nos Jogos é 1º de julho.

Tudo indica que o casamento da Emese foi arranjado. Por isso, acho injusto que tire uma brasileira das Olimpíadas

Cabral, que processa ainda a União Federal, responsável pela concessão da nacionalidade, entrou com uma ação popular, com pedido de liminar, na Justiça Federal de Curitiba, pleiteando a anulação imediata da portaria de 14 de abril de 2015, do Ministério da Justiça, que concedeu a condição de brasileira a Emese.

No texto da ação, o advogado Thiago Paiva dos Santos, que representa Cabral, afirma que Emese “iniciou ardilosa operação para se credenciar como brasileira, pois, atuando no Brasil, onde a modalidade ainda não tem grande tradição olímpica, poderia chegar aos Jogos Olímpicos”.

— Há uma série de ilegalidades praticadas. Primeiro, a ausência contínua no território nacional. O mínimo seriam quatro anos. Para os casados com brasileiros, cai para um ano. Mas, segundo levantamento da Polícia Federal, anexado ao processo, ela ficou 56 dias no Brasil no ano anterior. No total, em sua vida, permaneceu no país por 183 dias até 13 de março de 2015, quando foi feita a pesquisa — diz o advogado, destacando que ela não domina o idioma nacional, exigência prevista na lei.

Em seu despacho, a juíza Anne Karina destacou que Emese não preenche esse requisito.

“Se há fixação espacial de Emese Takács em determinado lugar, presume-se que é em Budapeste, na Hungria, conforme dezenas de fotografias lançadas no Facebook, com marcação de seu nome (juntamente com o do húngaro Attila Szabó), datadas de 12 de junho de 2012 em diante, e anexadas (no processo), o que, por conseguinte, permite questionar em que condições foi celebrado seu casamento com Rafael de França Barreto, em 16/05/2013”, escreveu a juíza.

Giocondo, que treina Amanda Simeão, em Curitiba, quer justiça. Sua atleta perdeu vaga na disputa individual de espada e iria aos Jogos apenas como reserva na equipe.

— Tudo indica que o casamento da Emese foi arranjado. Por isso, acho injusto que tire uma brasileira das Olimpíadas — afirma Giocondo, técnico de esgrima desde 1979, chefe e treinador do Brasil em dezenas de Pan-Americanos e Mundiais.

CASAMENTO LEGAL

Amanda se sente prejudicada:

— É como se tivéssemos uma atleta dopada na equipe, caso não tenha a nacionalidade.

Segundo o advogado Thiago Paiva, o casamento de Emese com o fotógrafo freelancer Rafael tem indício de fraude:

— Nas redes sociais, a ré ostenta relacionamento com um húngaro desde 2011. Anexamos imagens ao processo por ata notorial, quando um tabelião registra os fatos por ele verificados naquele momento. Se forem apagadas, podemos usá-las mesmo assim.

O GLOBO tentou contato com Rafael, mas ele se negou a falar. A reportagem foi ao endereço do casal e conversou com a avó de Rafael, Maria Elisa, pelo interfone.

— Eles fizeram isso aí. Casaram só para ela poder viver um tempo no Brasil. Ela mora no estrangeiro, sei lá onde — contou ela. — Eu não sei (se ela já esteve na casa deles). Não a conheço, minha filha. Não conheço ninguém.

Por telefone, Emese, que está treinando na Hungria, garantiu que seu casamento é legal e que seu processo de naturalização obedeceu os requisitos exigidos.

— Por que haveria questionamento sobre isso (naturalização)? — perguntou a húngara, em inglês. — É suficiente (o tempo que ficou no Brasil). Obtive a nacionalidade porque meu marido é brasileiro e cumpri todos os pontos exigidos por lei. Foi um processo complicado, me custou muito dinheiro, mas fiz e recebi.

Emese negou que teria pago pelo casamento e contou que tem a intenção de morar com o marido após as Olimpíadas. Esclareceu que Attila “é um grande amigo que veio de Israel”.

— É como meu irmão, não é meu namorado. Se tivesse um namorado, não seria da conta deles. Não paguei por esse casamento. Ele é meu marido. E preferimos manter nossa vida privada. Pretendemos viver juntos, talvez em Paris, após as Olimpíadas.

TÉCNICO DE EMESE LAMENTA

Ela também comentou sobre o fato de a avó de Rafael ter dito que não a conhecia:

— Isso não é verdade… Ela é uma senhora idosa.

O presidente da Confederação Brasileira de Esgrima, Gerli dos Santos, diz que ela conquistou a vaga na seleção brasileira seguindo as regras da entidade, e que vai esperar até o prazo final de inscrição para os Jogos para confirmá-la ou não no grupo. E reforçou que CBE não a ajudou no processo:

— Se for verificada irregularidade, cumpriremos o que tem de cumprir. Não vou pagar mico, né?

Disse ainda que Nathalie Moullhausen, nascida na Itália, filha de pai alemão e mãe brasileira, também sofreu bullying quando chegou à seleção. Segundo ele, “é normal”. Nathalie e Emese são as melhores da espada do Brasil.

Evandro Oliveira, treinador de Emese, lamentou a situação:

— Ela ralou muito, sem apoio. Tinha apenas seis torneios para pontuar no ranking em 2015. Fez em um ano, após quatro anos parada, e sem dinheiro, o que as outras não fizeram em cinco anos ganhando dinheiro. Incomoda.