Cotidiano

Homenageado da Mostra de SP, Marco Bellocchio investiga relação mãe e filho

30216631240_bbcd5f103f_k (1).jpgSÃO PAULO ? Homenageado da 40ª Mostra Internacional de Cinema, o cineasta italiano Marco Bellocchio, de 76 anos, deu uma masterclass no domingo, no Cinesesc, em São Paulo, após a exibição de seu filme mais recente, ?Belos sonhos?. Inspirado no romance autobiográfico ?Fai bei sogni?, do jornalista Massimo Gramellini, o longa conta a história de um menino muito novo que perde a mãe e cresce sem saber lidar com a ausência dela em sua vida. Com Valerio Mastandrea, Bérénice Bejo e Guido Caprino no elenco, teve sua estreia mundial em Cannes, na Quinzena dos Realizadores, e foi exibido na abertura da Mostra. A estreia no circuito comercial está prevista para 22 de dezembro. Cinema 23-10

Bellocchio receberá o Prêmio Leon Cakoff e também ganhou uma retrospectiva com 12 títulos, entre os quais seu primeiro longa, ?De punhos cerrados? (1965), e o curta ?Pagliacci?. ?Belos sonhos? e a estreia do cineasta italiano na direção de longas farão parte de uma seleção de cerca de dez filmes da Mostra de São Paulo que serão exibidos no Rio em novembro.

Como o senhor entrou em contato com o livro ?Fai bei sogni”, romance autobiográfico do jornalista italiano Massimo Gramellini ?

Na Itália, ?Fai bei sogni” fez um grande sucesso de público, atingindo uma tiragem enorme. Um produtor, Beppe Caschetto, me ligou propondo fazer uma adaptação. Eu disse que antes de dar uma resposta precisaria lê-lo. O fato de ter sido escrito por um jornalista criou uma certa desconfiança no mundo intelectual e literário. E também uma certa inveja, porque um sucesso tão clamoroso é bastante raro.

Por que, então, decidiu adaptá-lo?

O que me atingiu foi a história simples de um menino, Massimo, que perde sua mãe, e o mistério que está por trás dessa perda. Agora, as qualidades literárias, que não discuto, a mim, como cineasta, importam de modo secundário. O que me fascinava, emocionava e estimulava era a história desse menino, a sua relação tão rica e profunda com a mãe, e o trauma dessa perda misteriosa. Não podia deixar de pensar na minha vida e no meu trabalho.

De que maneira essa história se relaciona com a sua vida e os seus filmes?

Explico: na minha infância eu não tive esse amor intenso. A minha mãe, uma senhora católica e responsável, era incapaz de amar os próprios filhos de maneira individual ? éramos oito e eu sou o caçula. Portanto, isso aparece de maneira muito explícita no meu primeiro filme, ?De punhos cerrados? (1965). No longa, o protagonista até mata a mãe, porque ela não consegue ter com ele uma relação de afeto profundo. Esses extremos, o amor imenso de ?Belos sonhos? e a absoluta falta de amor de ?De punhos cerrados?, de alguma maneira se tocam. É como se aquela realidade quase mítica e fragmentada pela morte tivesse uma ligação com a minha vida, que depois produziu vários filmes ? em especial ?De punhos cerrados? ? nos quais a relação com a mãe é fatal, mas em sentidos opostos.

Há uma presença muito forte no filme da cidade de Turim, onde tudo se passa, e do futebol, na forma da torcida quase religiosa do protagonista pelo time do Torino. Por quê?

Torino é uma cidade importante, foi a primeira capital da Itália. E do ponto de vista futebolístico tem dois grandes times, o Torino e o Juventus. O Torino, clube de Massimo, é marcado por uma tragédia, assim como ele. Em 1949, o avião que levava o time campeão italiano de volta à cidade se choca contra a Basílica de Superga. Esse luto, de alguma forma, marca ainda hoje o time e os torcedores. É como se fosse uma coisa impossível de ser esquecida. Nesse sentido, há uma relação com a tragédia daquele menino que perde a mãe.

Outra coisa que chama a atenção é a relação de Massimo com o pai, muito autoritário.

O pai é um personagem muito importante no livro e também no filme. Ele é autoritário por necessidade. Porque, neste equilíbrio, no qual os papéis eram divididos de modos perfeitos, a mãe se ocupava dos afazeres domésticos e o pai fazia o seu trabalho e levava dinheiro para casa. No momento em que a mãe morre, ele se encontra em uma situação de fazer os dois papéis. E o faz com muita responsabilidade. Mas, ao mesmo tempo, com uma certa dificuldade de demonstrar calor. Mas sempre vai esconder um segredo do filho, o que vai causar um certo problema entre os dois.

O que significa para o senhor essa homenagem da Mostra?

Para mim, é um imenso prazer. Tenho uma relação antiga com o Brasil, que conheci numa idade em que as experiências contam muito. Estudei no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Milão, onde havia esses futuros cineastas brasileiros e o nascente movimento do Cinema Novo. Nesses anos, o seu país fez parte da minha formação e do meu engajamento político. Além disso, também me ajudou muito do ponto de vista de linguagem. Lembro de muitos filmes de (Glauber) Rocha que me impactaram muito. Depois, por várias razões, o contato diminuiu. Então, essa retrospectiva é também uma forma de reviver isso tudo.