Cotidiano

Guns N' Roses voltam no tempo e proporcionam experiência rock de qualidade

Alguma coisa mudou e não foi só o fato de o show não ter começado com algum atraso grotesco. O Guns N’ Roses que baixou na noite de terça-feira no Engenhão para o show carioca da turnê “Not in this lifetime” não era mais um projeto do vocalista Axl Rose com os músicos que mais lhe convêm a cada época. Para a sua oitava passagem pelo Brasil, o cantor voltou no tempo e reinstalou o guitarrista Slash e o baixista de Duff McKagan, com o qual os Guns fizeram seus discos iniciais e mais célebres. E os dois foram à frente do palco, disputando sem dó com Axl o seu lugar sob os spots. Ao longo de duas horas e mais de apresentação (iniciada às 20h48m, ou seja, meros 18 minutos depois do previsto), o que se viu foi a melhor recriação possível de uma banda no seu auge, com artistas que superaram as barreiras do ego e da idade para dar ao público uma experiência rock legítima e de primeira qualidade.

Coube a Duff – ainda esguio e com cara de garoto aos 52 anos de idade – puxar a linha de baixo da música que abriu a noite, “It’s so easy”, rock nervoso de “Appetite for destruction”, álbum de estreia da banda, de 1987. Slash, aos 51, solou como se quase 30 anos não se tivessem passado, ainda com a mesma cartola enterrada na cabeça adornada por cachos negros e óculos escuros. Axl, de 54, é a quem o tempo mais castigou – mas hoje, mais magro do que em suas últimas aparições com o Guns no Brasil, ele voltou ser um integrante dos Guns N’ Roses, jogando para o time, levando sua voz ao limite e até mesmo ensaiando as mesmas dancinhas de antigamente. “Mr. Brownstone”, outra de “Appetite”, deu prosseguimento ao show, suingada e selvagem, e emendou em “Chinese democracy”, faixa-título do disco de 2008, do qual nem Slash e nem Duff participaram das gravações – ao vivo, os dois trouxeram novas possibilidades de interpretação para a canção. Com um inimitável “I wanna hear you scream!” (“Quero ver vocês gritarem!”), Axl chamou revolta o show para o “Appetite” com “Welcome to the jungle” – e o público respondeu com o tumulto de sempre, apesar de o volume sonoro estar um pouco baixo demais para um show de rock que se preze (algo que afetou também o bom show da banda de abertura, a Plebe Rude).

Com um repertório vasto para escolher, os Guns optaram por algumas músicas menos óbvias no show carioca, como “Estranged” (do álbum “Use your illusion”, de 1991, em que apareceu para os ouvintes do Engenhão o piano de Dizzy Reed, membro dos Guns desde 1990) e a eletrônica “Better” (de “Chinese democracy”). “Out ta get me” (de “Appetite”) e a bela, sentida e melódica “Yesterdays” (de “Use your illusion”) também foram duas boas surpresas, reservadas exclusivamente para o Rio. No mais, os hits imperaram, caso de “Live and let die” (dos Wings de Paul McCartney), de “You could be mine” e da animada “Rocket queen” (outra do primeiro álbum da banda), na qual Axl, numa de suas várias saídas do palco para trocar de figurino, abriu espaço para um elegante duelo das guitarra de Slash e de Richard Fortus.

Mais à frente, as faixas “Civil war” e “Coma” representaram o lado mais denso do “Use your illusion”, grandioso álbum em dois volumes que também deu um dos memoráveis momentos da noite: “Knocking on Heaven’s door”, versão turbinada na canção de Bob Dylan. Foi mais um dos momentos em que Slash mostrou ser a grande estrela da noite, com seus solos alongados e personalíssimos. Ele ainda faria mais uma dobradinha com Fortus (em “Wish you were here”, do Pink Floyd) e brilharia uma recriação do tema do filme “O Poderoso Chefão”. O que sobrou para o até então humildão Axl? Quebrar tudo ao piano e derramar-se na dramaticidade de “November rain” – que, por sorte, não chamou nenhuma chuva de verdade, apenas uma nuvem formada por luzes de celulares. Na reta final, o vocalista ainda foi exigido em “Nightrain”, “Don’t cry”, “The seeker” (do The Who) e na grande canção de encerramento dos shows do Guns, “Paradise city” – cujo final acelerado fez com que a parte masculina da plateia se abrisse em rodas de dança abrutalhada. Com um chapéu de cangaceiro (mais um entre os que ostentou ao longo do show), Axl saiu do palco, ao fim, com uma missão cumprida: dar a quem viu o Guns em 1991, no Maracanã, um repeteco. E a quem não viu, a chance de apreciar uma grande banda de rock em atividade.

Cotação: ótimo