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Grupo de refugiados vibra com atletismo no Engenhão

RIO – As arquibancadas ficaram pequenas para Mariama Bah. A jovem de 26 anos não se conteve diante de tanta emoção: gritou, aplaudiu, fez ola. Vibrou como ninguém. Foi a voz mais contagiante do grupo de 29 refugiados que foram na terça-feira assistir às provas de atletismo no Estádio Olímpico, o Engenhão. Vindos de sete países (República Democrática do Congo, Síria, Venezuela, Serra Leoa, Gâmbia, Colômbia e Angola), eles se uniram sob a mesma bandeira, recém-criada para os refugiados (laranja, com uma risca preta, cores inspiradas nos coletes salva-vidas usados nas dramáticas travessias pelo Mediterrâneo, cujas imagens rodaram o mundo).

A convite do Comitê Rio 2016, em parceria com a Cáritas, entidade que auxilia o grupo, eles foram prestigiar o corredor Paulo Amotun Lokoro, do time olímpico de refugiados, que disputa os Jogos defendendo a bandeira do Comitê Olímpico Internacional. Nascido no Sudão do Sul, Lokoro vive hoje no Quênia. Terminou em penúltimo lugar, mas a torcida não desanimou e vibrou até o fim da bateria.

O mais aguardado, no entanto, não poderia deixar de ser o astro Usain Bolt, que disputa hoje à noite as semifinais dos 200 metros. Quando o jamaicano apareceu no telão, o estádio foi à loucura. Os refugiados acompanharam os gritos da multidão: “Bolt! Bolt! Bolt!”. Na primeira fileira, a poucos metros da pista, Mariama foi além: “Casa comigo, Bolt?”, perguntou, brincando. Ganhou apenas um aceno genérico, de longe, do carismático corredor.

— Foi suficiente — contentou-se.

Pouco antes da largada, Bolt pediu silêncio, e o estádio se calou. Ele passou como um flash pela torcida, terminando sua bateria em primeiro lugar.

Além do jamaicano e de Lokoro, bastava aparecer um conterrâneo ou um brasileiro para ganhar a torcida dos refugiados. Há dois anos, Mariama deixou a Gâmbia, seu país de origem, para se libertar. Disse que, no pequeno país africano, as mulheres não têm voz. Resolveu então mudar seu destino, fugindo de sua família, que a obrigou a se casar ainda menina, quando tinha apenas 9 anos. Aos 14, ela deu à luz sua filha, Maimuna. Ao lembrar seu passado, Mariama chora, mas logo enxuga as lágrimas e abre um sorriso. Em seguida, agradece por ter sido tão bem acolhida no Brasil:

— Hoje não luto sozinha. Tenho muitos brasileiros que me apoiam, que elevaram muito minha autoestima. Isso não tem preço para mim. Teve um momento em que toda essa minha energia sumiu. Fiquei morta em vida. Na Gâmbia, mulher quase não tem independência. Lá, elas não têm futuro. Não vão longe. Eu queria ser diferente. Podemos ser mulheres, podemos ser esposas, mas também podemos ser donas dos nossos próprios corpos. Hoje consigo sonhar — disse, emocionada, voltando de trem do estádio.

“A LÍNGUA UNIVERSAL DA AMIZADE”

Há seis anos no Rio, o congolês Yves Makangwa também vibrou com as provas. Para ele, a inclusão do time de refugiados pela primeira vez na Olimpíada poderá dar mais visibilidade ao grupo, que carece de assistência.

— Isso nos dá esperança. Muitas pessoas, às vezes, nem sabem o que é um refugiado. Daqui para a frente, as pessoas vão poder nos conhecer melhor. Umas pessoas falam árabe. Outras, francês, inglês, português, espanhol. Mas as pessoas falam também uma língua universal, que é a do amor, a da amizade — disse.

O colombiano Mateo Forero, de 11 anos, ficou o tempo todo colado no muro que separa a torcida da pista. Acompanhado dos pais, da irmã mais velha, de 17 anos, e do irmão mais novo, de 9, ele não se sentou nem por um minuto. Seus olhos se revezavam entre o telão e os atletas. Saiu do estádio radiante.

— Gosto muito do Bolt. É meu ídolo. Foi muito legal poder vê-lo assim, de pertinho. Valeu a pena. Gostaria de correr como ele. Passou muito rápido. Quero ser jogador futebol — contou o pequeno, que deu a melhor definição do grupo de refugiados. — Somos uma família de muitas nações.

Em setembro, a filha de Mariama, hoje com 13 anos, chegará ao Rio e também se juntará a essa família.

— Estou muito feliz. Foi incrível, não dá para descrever este momento. Se eu falar o que sinto, vou chorar. Não quero chorar — disse Mariama, que terminou o 2º ano do ensino médio e ainda está em dúvida se cursará medicina ou relações internacionais — Numa profissão, posso salvar muitas vidas. Na outra, posso defender as mulheres.