Cotidiano

Golpe de voz mansa

A pior pena para um cidadão comum é a pena de morte. Para um prefeito, governador ou presidente é o impeachment, como resumiu o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Marcello Lavenère, em sua brilhante exposição na Comissão do Impeachment no Senado. É a morte política de um mandatário, disse ele, mas, no caso da presidente Dilma, é também a morte de um projeto de país com menos desigualdades, com amplo acesso à moradia, com possibilidade de ascensão social, com portas abertas para a educação.

A aceitação do processo no Senado se deu por dois motivos pífios, que não configuram crime de responsabilidade e que nunca antes foram considerados irregulares:

1. Atraso no pagamento ao Banco do Brasil, em 2015, nas subvenções dos juros praticados nos contratos do Plano Safra; e

2. Edição de seis decretos de créditos suplementares orçamentários de 2015, por excesso de arrecadação e saldo de exercícios anteriores.

Em relação ao Plano Safra, não há um só ato praticado pela presidente da República, o que é condição mínima para a prática de um crime. O Plano Safra é regido pela Lei 8.427/92, que estabelece sua competência para regulamentação, gestão e execução ao Conselho Monetário Nacional e ministérios da Fazenda, da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. Além do que não se trata de contrato de operação de crédito e sim de pagamento de subvenção econômica por força de lei. Portanto, não há conduta, não há ilícito e nem dolo por parte da presidente da República. Por isso não há crime de responsabilidade. Por isso não há que se falar de impeachment.

Já os decretos apontados como irregulares foram assinados em julho e agosto de 2015; porém, somente em outubro o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou um parecer considerando irregular esse tipo de decreto, com o argumento de que estaria se aumentando a despesa orçamentária, prejudicando a meta fiscal.

Nunca antes esta avaliação havia sido feita pelo TCU. Que fique claro: crédito suplementar não compromete meta fiscal. O que compromete a meta fiscal é o desembolso financeiro, que é gerenciado pelos decretos de contingenciamento orçamentário. Sobre eles não há uma palavra na denúncia apresentada, posto que todos foram feitos e são regulares.

Um crime de responsabilidade exige um atentado à Constituição. Se não há conduta ilícita e dolosa por parte da presidente da República, não há crime. Por isso, reafirmo: esse processo de impeachment é um golpe contra a Constituição Federal, o Estado democrático e, principalmente, contra a maioria da população brasileira que elegeu Dilma Rousseff para governar o Brasil até dezembro de 2018.

É um golpe de voz mansa, que está ensejando um governo interino ilegítimo, com mudança profunda do projeto de país que foi aprovado nas urnas em 2014.

Gleisi Hoffmann é senadora (PT-PR)