Cotidiano

Glenn Davis estreia solo em 'Waves and webs', disco sobre divórcio

RIO — Pode-se dizer que corações partidos e amores perdidos são os alicerces da música pop. Relacionamentos mal resolvidos pariram discos clássicos como “Blue” (1971), de Joni Mitchell; “Blood on the tracks” (1975), de Bob Dylan; “Here, my dear” (1978), de Marvin Gaye; “Tunnel of love” (1987), de Bruce Springsteen; e, mais recentemente, “Back to black”, de Amy Winehouse (2006). Bem, dor de cotovelo vende e pode tocar qualquer ouvinte ao redor do mundo — que o diga Adele. Seguindo essa linha de transformar a amargura da dor em doces melodias, o cantor e compositor Glenn Davis, egresso da banda indie americana Way Yes, lança seu álbum solo de estreia, “Waves and webs”, que aborda o processo de recuperação de seu divórcio, em 2013, após um casamento de seis anos com sua melhor amiga de escola.

Entre teclados oitentistas, uma voz sofrida no estilo sapo Caco, de “Os Muppets”, e versos de honestidade desconcertante, como “Quando você se casou comigo/ isso significava que você ficaria por perto”, no rock “Be honest”, o músico constrói um CD, todo gravado de maneira independente, em sótãos, quartos e porões, que funciona como exorcismo emocional.

— Muitas pessoas mantêm um diário. Eu prefiro escrever canções confessionais — ele diz, em entrevista por telefone, de sua casa, no estado de Ohio, nos EUA. — Quando percebo que um sentimento não é apropriado, descarto a letra. Mas, como eu apostei todas as minhas fichas naquela relação, decidi colocar tudo nessas músicas também.

Esse all-in lírico aparece logo na primeira faixa, a jazzy “Off the line”, que diz: “Deve demorar duas vezes mais/ Para que eu te perdoe/ Do que durou para construir/ Tudo que você abandonou”.

— Na mesma época do divórcio, minha tia foi diagnosticada com câncer e morreu pouco depois. Então, eu sofria por dois lutos distintos. Deixei esse disco de lado por uns dois anos até poder retomar essas músicas. Eu precisava de tempo para lidar com tudo isso e poder liberar minha criatividade — conta Davis.

O álbum “soa, inteiro, como um disco de sucessos de rádio de 1986”, escreveu o crítico do GLOBO Silvio Essinger, ao avaliar o CD como “ótimo”, na semana passada. “Waves and webs”, confirma o artista de 29 anos, tem justamente essa década como uma de suas principais referências.

— Além da incrível Joan Armatrading e da suavidade dos Isley Brothers, ouvi bastante o “Tango in the night” (1987), do Fleetwood Mac. Ao lado da Electric Light Orchestra, era a banda predileta do meu pai. Logo, consumi bastante comfort music na produção desse trabalho — confessa.

'LINDOS TECLADOS BREGAS'

Apesar dos diversos sintetizadores retrô em faixas como “Super tough”, “Speed it up” e “Tipping point”, que poderia ser do Michael Jackson ou do Toto, a maioria das canções não foi escrita ao piano.

— Sinto-me mais confortável com o violão ou a guitarra, que foram meus primeiros instrumentos. Quase todos aqueles lindos teclados bregas que muitos detestam foram regravados pela minha amiga Counterfeit Madison — diz.

Para Davis, “o poder de cura da música” é a força motriz por trás de “Waves and webs”:

— A sensibilidade pop é uma coisa muito poderosa. Acredito que as pessoas precisam se expressar artisticamente de alguma maneira, seja com música, pintura ou cerâmica (risos). Sou um romântico — admite.

Se Mário Quintana escreveu que “todos os poemas são de amor”, Davis mostra seu romantismo em “Every song”, onde canta que “toda canção é uma canção de amor”.

— É impossível seguir como artista sem amar o que se faz — diz. — Mas não quero deixar ninguém deprimido. Espero que minha música faça bem.