Cotidiano

Giselle Rodrigues, coreógrafa: 'Não exploramos o que é nos estranho'

201608202146339398.jpg“Sou doutoranda da UnB e tenho pensado muito em como trabalhar pedagogia e processos de criação. Há alunos que, quando chegam à universidade, descobrem quantas amarras carregam. Tenho tentado instigar essas pessoas a ver suas próprias potencialidades, também dentro da Academia.”

Conte algo que não sei.

Aisthesis, do latim, significa “proceder pelo sentido”. A prática aisthesis se dá a partir do encontro com o espaço, com o tempo, com as pessoas. Usamos essa prática num projeto artístico que vai se tornar acadêmico, agora. É a minha pesquisa de doutorado. A ideia é buscar esse lugar de como você é afetado pelo encontro. Uma experimentação que faz você chegar num espaço e se valer das próprias ferramentas para “chutar o balde”. Não se julgar, tirar as amarras, o que é muito difícil, porque, quando você chega no espaço e pensa: “Ok, posso fazer o que eu quiser aqui”, você pira por não ter referência nem lugares para se apoiar. Posso fazer tudo, mas, ao mesmo tempo, não consigo fazer nada.

O que essa prática traz de novo ao processo criativo?

Ela não é necessariamente nova, mas é uma experiência nova naquele momento para quem está envolvido. É uma proposta de reconhecer nossos lugares e amarras e o quanto somos manipulados através dessas amarras e do social. Às vezes, não descobrimos nosso potencial criativo por sermos condicionados a não explorar o que nos é estranho. Daí um projeto que não tinha tema, objetivo ou proposta, que surge do interesse de seis artistas, que nunca haviam trabalhado juntos, de sair de seus ambientes de criação.

Parte necessariamente da improvisação?

Quando você se permitir ir por um lugar que jamais experimentou, uma coisa totalmente diferente, inusitada, provavelmente vai te trazer uma série de questões, reflexões, distorções no corpo. É um lugar que eu tenho experimentado trabalhar. Acredito muito nisso também como caminho pedagógico.

Qual a contribuição dessa prática para a pedagogia?

É muito potente, especialmente nas escolas, porque os alunos se veem muito envolvidos e atraídos por realizá-la. O objetivo não é necessariamente fazê-los notar as amarras, mas ter uma experiência criativa. ?Quer dançar, vai lá!” Gera um espaço de liberdade muito grande e, ao mesmo tempo, uma curiosidade. É muito interessante ver isso, por exemplo, na escola pública. Quando você diz isso ao aluno, ele fica completamente paralisado. As pessoas acham que é um bando de loucos. Depois, vem um espaço de muita audacidade, aproximação e afetividade. Eles se jogam. Veem que não há alguém ali para dizer que está errado ou proibi-los de fazer alguma coisa.

O que já surgiu dessa experimentação conjunta?

De tudo. Os pontos de conexão surgiam e geravam situações cênicas poéticas. Numa das experiências que fizemos fora de escolas, uma terapeuta se levanta e começa a falar da importância do projeto. Ela ficou sentada a observar aquele caos. De repente, você leva o foco para aquela pessoa e transforma aquilo quase como uma cena, desdobra aquele momento. Ela fala com emotividade, aquilo se torna um momento poético. De alguma forma, a pessoa se via fazendo arte, não só se expressando. Ali, havia a conjuntura que potencializava o ponto poético. Você dilata esse lugar que é tão simples.

Momentos que você não viu duas vezes, imagino.

Teve um momento na escola, com meninos de 12-13 anos. Um garoto veio, me deu a mão. Foi de uma potência cênica, e todo mundo se voltou para olhar o que ele fazia. A prática, com o aguçamento da percepção, ajudou a perceber esses momentos que são de conexão, de encontro. É uma das propostas.