Cotidiano

Gestora de presídio em Manaus foi denunciada por Pastoral Carcerária em Tocantins

grota1.jpgBRASÍLIA ? A empresa Umanizzare ? responsável pela gestão de parte do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, onde 56 detentos foram mortos no dia 1º de janeiro ? tem histórico de problemas de corrupção denunciados pela Pastoral Carcerária. Segundo a entidade, em dois anos gerindo a Unidade de Tratamento Penal de Barra da Grota, em Araguaína (TO), a empresa teve 18 funcionários afastados por suspeita de associação com o crime, dos quais quatro estavam presos na ocasião da visita feita ao presídio pela pastoral, que publicou a denúncia em relatório de 2014.

A suspeita é de que os funcionários haviam facilitado a entrada de materiais para os presos, como brocas de aço, alicates e outros objetos proibidos. Além disso, 40% dos profissionais da Umanizzare no presídio, segundo a Pastoral, tinham sido substituídos, mostrando uma alta rotatividade de servidores. Ainda conforme o relatório de visita, a segurança interna da unidade era feita por agentes da empresa — situação apontada como ilegal pela Pastoral.

Em nota, a Umanizzare nega que haja suspeita de prática de crime por parte dos funcionários no caso em questão: ?Os colaboradores foram demitidos por atitudes consideradas pela empresa como danosas à operação e ao bom funcionamento da unidade?. E afirmou que a alegada rotatividade vem da ?capacidade da empresa privada de dar agilidade a processos administrativos, como a contratação e a demissão de colaboradores?.

Já a Secretaria de Estado de Cidadania e Justiça (Seciju) de Tocantins informou que os funcionários ?afastados por suspeita de associação com o crime, apontados pelo relatório da Pastoral Carcerária de 2014, foram demitidos?, mas diz que quem detalhes do caso é a Umanizzare. Ainda segundo a pasta, o governo avalia ?o perfil dos funcionários contratados para trabalhar dentro do sistema prisional e realiza fiscalização através de investigação de vida pregressa”, além de oferecer qualificação na Escola Penitenciária da Seciju.

Outros problemas foram detectados na visita da Pastoral em Araguaína, como remédios cobrados pela Umanizzare. A empresa informou que se o detento precisar de algum item fora de uma lista padrão, a família precisa providenciar, conforme registrado no relatório da entidade.

A inspeção encontrou ainda detentos com mais de nove meses sem qualquer assistência jurídica, contato com advogado ou informação sobre o processo. Nesses casos, o procedimento da Umanizzare era mandar o preso escrever um bilhete e entregar para o agente penitenciário, que o entregaria à Defensora Pública. A dúvida dos detentos relatada durante a visita é se realmente os agentes entregam o bilhete aos defensores públicos.

O relatório recomenda o rompimento do contrato entre governo de Tocantins e Umanizzare porque a ?privatização dos serviços de custódia, segurança e vigilância interna das unidades prisionais viola a indelegabilidade do exercício do poder de polícia e atividades exclusivas do Estado?, citando a lei sobre parcerias público-privadas.

grota2.jpgA empresa sustenta, entretanto, que por força da lei todas as atividades que exigem o exercício do poder de polícia são de responsabilidade do Estado. Apenas tarefas internas como ?manutenção de prédios, instalações e equipamentos? são desempenhadas pela Umanizzare, segundo a nota. Mas a Secretaria de Tocantins confirma que o contrato com a Umanizzare prevê o monitoramento de presos, ficando a “segurança externa, escolta, procedimentos administrativos e a coordenação das unidades” por conta do estado.

Sobre a cobrança de remédios e dificuldade de assistência jurídica, a pasta diz que “desconhece tal informação, visto que o contrato com a Umanizzare prevê o fornecimento de medicamentos e assistência jurídica aos reeducandos”. A empresa também se defende das acusações, afirmando que cabe a ela apenas a ?função acessória? de dar suporte a defensores e advogados para garantir o acesso à justiça e que repudia com ?veemência? a denúncia de cobrança por medicamentos.

A Umanizzare continua a atuar no Tocantins cuidando de cerca de 1,1 mil do total de 3.468 presos no estado. Além da unidade de Araguaína, onde houve as denúncias, a empresa participa da gestão da Casa de Prisão Provisória de Palmas.

Atualmente nos holofotes por conta do massacre em Manaus, a Umanizzare não é a única empresa que gerencia presídios no Brasil. Em 95 unidades carcerárias do país, há algum modelo de gestão compartilhada, segundo dados do Ministério da Justiça referentes a 2014. A Pastoral Carcerária aponta, em seu relatório daquele mesmo ano, que se todo o sistema prisional brasileira fosse privatizado, seria necessário repassar R$ 1,8 bilhão por mês dos cofres públicos às empresas.

O cálculo considerou o custo de cada preso na unidade do Tocantins gerenciada pela Umanizzare, em valores de 2014: R$ 2.780. No Amazonas, o valor atual de cada preso, pago pelo estado à empresa, ultrapassa R$ 4 mil, sem considerar os investimentos próprios do estado no sistema. Após o massacre no presídio Anísio Jobim, com 56 mortos, o alto valor foi alvo de críticas e suspeitas de superfaturamento, colocando em xeque o mercado de gestão privada de presídios no país.

No Brasil, conforme os dados do governo federal, o arranjo compartilhado mais usado – em 43 prisões – é o de organizações sem fins lucrativos que cuidam dos estabelecimentos, em parceria com o estado. Esse modelo ocorre principalmente em Minas Gerais.

Em média, no Brasil, 92% das unidades têm gestão totalmente pública e apenas cerca de 8% usam algum modelo compartilhado. No Amazonas, palco da matança, a taxa de gestão privada chegava a 25% dos presídios, sendo a maior do país, ainda segundo o relatório de 2014 do governo federal.