Cotidiano

Garotinho agiu contra a PF antes da prisão

RIO ?Áudios de interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal durante a Operação Chequinho, que culminou com a prisão de Anthony Garotinho, mostram o ex-governador falando com o deputado João Carlos Bacelar (PR-BA) para combinar uma conversa ?não só institucional? com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. No dia 23 de outubro, um domingo, Garotinho e sua mulher, Rosinha, se reuniram com o ministro em Brasília, em agenda não divulgada oficialmente. Procurado, Moraes confirmou o encontro e disse que o casal queria fazer uma representação por ?suposto abuso de autoridade? contra o delegado da PF em Campos, Paulo Cassiano, responsável pela Chequinho. ?Foram informados que o procedimento a ser seguido era protocolar eventual representação, que seria encaminhada à Polícia Federal?, afirmou em nota.

Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que o 23 de outubro foi a data de partida para a ofensiva da família Garotinho contra o delegado Paulo Cassiano. A partir das representações encaminhadas ao ministro da Justiça e à Corregedoria Geral da PF naquele domingo, foram instaurados, no dia 3 de novembro, pela Superintendência da PF no Rio, três procedimentos para investigar o responsável pela Operação Chequinho: um inquérito policial, uma correição extraordinária e uma sindicância. Nas apurações, o inquérito chegou a ser digitalizado.

Os áudios das conversas entre Garotinho e Bacelar mostram que o ex-governador procurou inicialmente o deputado para pedir uma reunião com o corregedor-geral da Polícia Federal, Roberto Cordeiro. O parlamentar, porém, oferece a possibilidade de um encontro com Alexandre de Moraes:

?Tô tentando o ministro para você falar com ele amanhã?, disse Bacelar, na gravação feita no sábado, dia 22 de outubro.

No dia seguinte, vem a confirmação. Garotinho quer saber do deputado se ele acha que deveria ir acompanhado de um advogado.

?A conversa não é só institucional, não. É institucional também, mas… Bom… Pondera aí…?, diz o ex-governador.

Os áudios obtidos não tinham a identificação do interlocutor de Garotinho. O próprio Bacelar confirmou à reportagem que foi procurado pelo ex-governador e que intermediou o encontro com o ministro.

? Ele (Garotinho) é meu amigo. No sábado (22 de outubro), ele me ligou desesperado porque estava tendo um problema. Eu estava almoçando com a minha família. É um absurdo o que aconteceu com ele. É meu amigo, presidente do meu partido no Rio e me confidenciou que estava tendo um problema eleitoral muito grande ? disse o deputado. ? Eu respeito muito o governador Garotinho. Falo com ele sempre. Assim que puder, vou fazer uma visita a ele no Rio.

No dia 22, o parlamentar pergunta a Garotinho se pode ?contar? com Clarissa, em referência à deputada, filha do ex-governador, que havia votado contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Teto de Gastos, defendida pelo governo. Àquela altura, o projeto já havia sido aprovado em primeira discussão na Câmara dos Deputados, com o voto contrário de Clarissa. Garotinho sugere que a posição da deputada poderia mudar no decorrer das discussões.

?Eu resolvo. Mas quero resolver aquele assunto?.

No dia seguinte, Bacelar volta ao tema e diz que a posição de Clarissa seria ?importantíssima? na segunda votação da PEC, que aconteceria na terça-feira seguinte, e sobre o ?abuso de autoridade?, em referências às propostas em tramitação no Congresso que, segundo investigadores, podem limitar o poder de investigação.

“Mas isso ela tem que votar a favor. Isso é um absurdo. O que esses caras estão fazendo daqui a pouco o Brasil virou bagunça?, diz Garotinho.

Bacelar nega que tenha ajudado o aliado como uma moeda de troca para que Clarissa se posicionasse a favor da PEC e da proposta do abuso de autoridade. A deputada votou contra a PEC e foi expulsa do PR.

? Não teve acordo nenhum ? afirmou.

O Ministério da Justiça informou em nota que a reunião entre Moraes e o casal Garotinho teria sido pedida por Clarissa.

O delegado Paulo Cassiano não foi encontrado ontem. No sábado, ele afirmou que havia se colocado à disposição da PF para prestar esclarecimentos, mas não havia obtido resposta.

O advogado de Garotinho Fernando Fernandes afirmou que o ex-governador denuncia três casos de ?tortura psicológica” feita pelo delegado, fazendo com que réus mudassem seus depoimentos por mais de quatro vezes. Segundo o defensor, ?o objetivo é que a investigação seja feita de maneira legal e correta, e que o delegado seja afastado da investigação?. Fernandes ressaltou que não esteve na reunião com o ministro e que Garotinho ?foi acompanhado por outro advogado?.

Ontem, o GLOBO mostrou os áudios ao procurador regional eleitoral do Rio, Sidney Madruga:

? É grave, delicado e deve ser averiguado ? afirmou o procurador.